Crônicas 4



SEU PROBLEMA, MEU PROBLEMA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Como saber jamais o que se passa no coração de uma jovem de 15 anos,  que pede-me ajuda para um mal que não conheço. As palavras tão poucas, tão doloridas e tão pungentes, se revelam como cacos em  minha mão, à espera de que eu componha, com eles, um mosaico colorido. Mas só há cinza nesses cacos: “um grande problema, uma grande luta, a vida é injusta, estou sofrendo muito.” E para meu desespero, estes outros: “leio todos os dias o seu diário, te admiro muito, preciso de apenas uma palavra de uma pessoa como você, se puder me ajude. Me responda?”
Sem nem saber seu nome, foi o que fiz ainda ontem. Mas acho que não fiz bem feito, porque não
dormi direito: faltou-me a paz. Acho que você não merece que eu lhe responda com poucas palavras, você merece uma crônica inteira. Hoje, meus queridos, dêem-me licença: dane-se o mundo literário.
Farei aqui o que Jesus faria ali: deixarei os 99 leitores no deserto e irei em busca da leitora perdida.
Que aos 15 anos, é hora de uma mocinha começar a encontrar-se consigo mesma, e não é hora de perder-se de si mesma. Como não sei em que avenida ela se perdeu, irei buscá-la exatamente aonde eu me encontrava, quando tinha a  mesma idade.
Meus tempos de anos 15  foram tão minguados, e nem assim  impediram-me o sonho. A empresa do meu pai acabara de falir, e eu trabalhava para ajudar a colocar em casa o arroz e o feijão. Carne quase nunca havia. A mistura era banana. Uma delícia banana com arroz e feijão, você já experimentou? Até hoje, ainda promovo o reencontro desses dois sabores que me são tão familiares: o doce temperando o salgado, e os dois combinando de me iludir, com uma viagem imaginária ao oriente. Um dia, inventei que aquele era um prato das Índias. E foi assim que descobri as Índias sem sair do Brasil.
Dinheiro, pois, não havia para a viagem, mas para o sonho sobrava. Eu tinha longos cabelos negros, extremo bom gosto e nenhum recurso para andar “na moda”. Mas tentava: comprava o tecido nas falecidas Casas Buri e minha mãe costurava. Aos 15 anos, ganhei de presente de aniversário, da minha avó, uma quantia em dinheiro que dava para comprar um pedaço de pano e confeccionar um
vestido. Comprei um bem psicodélico, com ondas em várias tonalidades de azuis e rosas. Resultou
num tubinho em forma de “A”, com mangas boca de sino e gola Mao, arrematada por um lacinho que
fechava o decote.
Ainda me vejo nele, porque gostava de me ver em qualquer trapinho. A extrema pobreza não impedia
que eu gostasse da vida e que a vida gostasse de mim. O riso  era fácil. Mas o corpo me era um
problema: eu não sabia andar com a graça e a leveza de uma gazela. Meu andar sempre teve algo de
um soldado a caminho da guerra. E aqui, faço uma pausa para me lembrar da amiga Lúcia Miranda:
era ondulante como um rio que serpenteia, colina abaixo. Eu queria tanto ser esse rio ondulante,
mas era um soldado a caminho da guerra, montanha acima. O quadril não quebrava.
 Por onde andará Lúcia Miranda? Aquele andar salvou Lúcia Miranda da mesmice a que a maioria de nós,  nos submetemos. Aqui ficamos e aqui envelhecemos. Lúcia correu o mundo com o seu rio
ondulante. Será que  ainda serpenteia?
Deixemos Lúcia para lá.
 Trabalhar foi algo de que nunca gostei. A bem da verdade, não encontrei nenhum trabalho, nesta
vida,  que me merecesse por completo. Mas se tinha que trabalhar, que remédio? Trabalhava! Meu
irmão, quando casou,  disse para mim: “agora,  vou ter a minha própria casa e você se vire por
aqui.” Ele me falou assim mesmo, e assim mesmo teve que ser. Passei a acumular duas funções, em
dois trabalhos diferentes: detestava os dois!
Nas questões sentimentais, era de uma incompatibilidade total com o sexo oposto: fui ter o meu
primeiro namorado aos 17 anos. Aos 15, eu apenas sonhava com o meu príncipe encantado, mas ele
nunca vinha.  Vinha para todas, menos para mim. Meu primeiro amor, foi uma mistura de namorado
com amigo: a coisa empacava e não se resolvia. Nunca nos beijamos. Muitos anos depois, relendo
uma de suas cartas, vim a entender porquê: a sua opção sexual era outra, mas ele não assumia,
funcionário do BB que era e, naquela época, não podia. Meu Deus, eu era tão ingênua, nem sequer
pressentia.
Minha sensibilidade me levava a certos extremos: chorava como se um rio brotasse repentinamente
de mim, e gargalhava com a solidez do relincho de um cavalo, que também vinha de mim.  Era mesmo
de extremos. Eu acho que era feliz.
Eu tinha 15 anos! Você faz idéia do que é ter 15 anos? Ter 15 anos é para gastar do jeito que se
quiser. E, nesta manhã, venho encarecidamente lhe pedir: não escolha gastar os seus 15 anos na
pré história da humanidade. Não há mais tantos perigos ameaçando a terra. Jesus já veio ao mundo.
Não há dores, não há ameaças, não há lutas, que Ele não possa curar, defender e vencer : Ele é o
Senhor!
Para que Ele se torne esse Senhor que pode tudo, precisa apenas que você lhe outorgue o poder de
poder tudo. Uma procuração com amplos e irrestritos poderes.
Há duas maneiras de conhecer Jesus: uma é o Jesus histórico, objetivo, que se conhece do lado de
fora. Esse não lhe servirá para muita coisa. Mas a outra maneira é interior, subjetiva e mais
profunda. É um conhecimento experimental, revolucionário, que sacode estruturas combalidas, e as
coloca no devido lugar.
E como experimentar esse Jesus? No seu caso, experimentando  como remédio: em pequenas doses, até à cura. Em doses maiores, depois da cura.  Jesus é um remédio que, em doses pequenas, cura o
doente, e em doses maiores promove a saúde para sempre, amém.  Busque-o, da maneira simples como buscou a mim: falando com Ele.
Não leia apenas o meu diário: leia a Bíblia. É na Bíblia que busco inspiração para escrever,
portanto, vá direto à fonte. Ouça Jesus falando pelas palavras Sagradas. Quando oramos, nós
falamos com Deus; quando lemos a Bíblia, Deus fala conosco.
 A natureza também fala por Deus. Você tem um bichinho de estimação? Tenha! Às vezes tudo que me sobra para tocar em Deus, de maneira palpável,  é o abraço e a lambida das minhas cachorras. Que
quando me falta o amor em concretude, essas nunca me faltam.  Pode faltar-me o Ivo, pode
faltar-me o Paulo, pode faltar-me a Sandra, pode faltar-me a Silvia, mas o abraço das minhas
cachorras está sempre disponível, para mim,  no fundo do quintal. E eu aproveito, e também abraço
e lambo.
Tudo o que existe no mundo é um resumo de Deus! Sabendo disso, você saberá também, que todos os resumos são horizontes amplificados, que a sua própria mão é capaz de alcançar. Não se
escandalize se eu lhe disser o que está escrito na Bíblia, e que poucos souberam ler: "Sua
presença enche a terra." Toque-o nesta manhã, da forma como Ele se apresentar diante de você.
Jesus é o general de guerra, é o advogado, é o médico, é o procurador, é o remédio, é o consolo,
é a cura. Tudo é Ele!
Aqui estou apenas enfunando uma vela, e colocando diante de você um barquinho, que pode lhe
conduzir a novos rumos, a novas terras.  Na proa vai Jesus, mas você é o remador. Siga o rumo que
Ele lhe derminar. Apenas  não esqueça, que para se chegar a algum lugar, você terá que remar.
Reme, então!


"Jesus está no barco/e você é o remador/lá na frente está Jesus/ Ele é o condutor."




Ana Ribas


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ADRIANE GALISTEU X SILVIO SANTOS: O QUE ACONTECERÁ HOJE?






Leio nas manchetes que Silvio Santos e Adriane Galisteu decidem hoje, no final da tarde,  o
imbróglio que já dura meses. E que envolve a bagatela de 500.000 mil reais por mês.  O que fará
Silvio Santos com Adriane Galisteu já que o contrato entre ela e o SBT termina dia 30 de
setembro?  Imagino a cena em formato pessoal e reduzido: ter que pagar o salário mínimo, a uma
funcionária cujo trabalho não me interessa mais. Seria doloroso para qualquer um de nós, pagar e
não receber. Agora, para quem recebe sem trabalhar, a reação é individual e subjetiva: cada um
faz o que quer, com aquilo que lhe convém. Ou seja, quando não nos convém, somos todos unânimes,
mas quando nos convém, ainda que o processo envolva uma injúria diária e permanente contra a
identidade do sujeito, cada qual dá o seu jeito para conservar no bolso 500.000 mil reais.
De que é feita a vida senão de escolhas? Muitas vezes, é feita de imposições. Eu tenho por
Adriane um sentimento de admiração, que me veio da época em que ela optou por seguir um homem,
com a devoção de um cão.  Assumo o direito de admirá-la por estar a serviço de um grande amor. Já
por Silvio Santos,  sinto nada. Que nem colega de trabalho dele sou. Sou apenas uma expectadora  
maravilhada com tanto poder.  Sou a favelada admirando o baú que lhe foi entregue na mão, por
Manoel da Nóbrega. Sou a brega que observa o brilho do verniz na unha, e não acha nada chic. Sou
a historiadora que faz de um perfil, o objeto de uma pesquisa. E o resultado é este: O Brasil tem
que se perdoar muito, Silvio Santos precisa nos fazer chorar mais, e Deus há de nos ajudar, nas
tardes de domigo, a discernir o ruim, separar o bom, e  escolher o melhor.
 Longe da televisão.


* IMAGEM PESQUISADA NA FOLHA UOL.


Ana Ribas




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O QUE É LIXO PARA UNS, É LUXO PARA OUTROS.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Minha casa foi plantada por um construtor que entendia da trajetória do sol. A qualquer hora do
dia, ela está sempre inundada de luz. Mas é pela manhã, quando a luz se torna mais diáfana,  que
eu me sento em qualquer cantinho, e vejo a vida sem a morte. Fica tudo de uma compreensão eterna.
Um prêmio que me transporta ao mais profundo estado de existir sem dor. Olho, então, para as 
paredes e verifico, um a um, se os quadros estão alinhados: porque um quadro torto poderia botar
a perder esse momentâneo arrebatamento. Que dura minutos, mas que me abastece por algumas horas.
Depois, tudo volta a ser como é: estranhamente perigoso.  Mas enquanto não é, desfruto.
Desfruto, por exemplo a existência pacífica da mesinha redonda, que estrategicamente posicionei
ao lado do sofá redondo, de oncinha – sou brega, adoro oncinhas-. E me comovo ainda mais: porque
essa mesinha foi catada do lixo.
Uma bela manhã, acordei e quase não acreditei: minha vizinha, esposa de um rico esculápio (
procure no dicionário se não souber o que isso significa, porque tenho que usar esse artifício
para não identificar a vizinha de cara), pois a minha vizinha, jogou fora essa mesa redondinha,
que deve ter-lhe servido redondamente,  durante muitos anos. E eu, favelada que sou, atravessei a
rua, de pijama mesmo, e me abracei com ela, e com ela atravessei a rua, dizendo-lhe com amor de
mãe: “ filha, você agora é minha.”
Dei-lhe lugar de honra na sala principal da casa. Que não é “a de visitas” mas é a minha sala.
Aonde eu me sento, para aspirar em largos haustos a normalidade tão sonhada.
A mesinha de rattan ( olha que chic) é o símbolo da minha evolução histórica. Eu nunca me
imaginei capaz de assumir publicamente que reviro o lixo dos outros.  Pois assumo: sou capaz de
revirar o lixo dos outros e levar para casa o que me interessa. Assumo! Eu já tenho esse direito.
Conquistei outros também, mas hoje, essa mesinha fez aniversário aqui em casa, e por isso dedico
a ela o direito de existir placidamente em minha sala, enquanto eu exerço heroicamente o direito
de declarar que reviro o lixo alheio. E que tenho vocação para revirar lixo, e de lá extrair
tesouros.
Todo mundo deveria revirar lixo para dar uma segunda chance àquilo que não é lixo, àquilo que
pensaram que fosse, mas não era. Assim é a vida: uns só enxergam lixo onde outros enxergam
encanto, estilo e beleza. Questão tão instintiva quanto meditativa, que uma coisa puxa a outra.
 Então vamos agora para a parte meditativa. Que nada mais tem a ver com a vizinha, tem a ver com
a mesinha.
Começa assim: a mesinha agora é minha! Que ninguém venha reivindicar a  antiga posse. Porque o
ser humano  joga no lixo o que não quer, e quando descobre que alguém ousou querer aquilo ele não
quis,  fica tomado de uma ira indefectível.  Seja falando mal do que jogou fora, seja falando mal
daquele que resgatou aquilo que foi jogado fora. O negócio é falar mal. Porque falando mal,
procura sentir-se menos mal aquele que jogou fora, o que não deveria ter jogado fora. Uma mesa
redonda pode virar um puff... e puft o que era lixo vira luxo. Uma mesa alta de canto, pode virar
uma mesa baixa de centro, basta cortar as pernas. Melhor cortar as pernas, se as pernas da mesa
lhe escandalizar, do que permitir que a mesa toda seja jogada no monturo. Outro lixo virando
luxo.
Eu também frequento brechós. Já comprei um trono africano, todo estrapeado, mas com vocação para
bunda de rei. Ou de rainha.  Revesti de veludo negro, e depois descobri que em minha casa não
havia lugar para mais um trono. Dei o trono para o meu irmão, mas quem usa é minha cunhada.
Problema dele. Estamos na parte meditativa e não na parte fofocativa. Continuemos.  
“Assim é a vida” e “Agora é tarde”. Entre essas duas frases um intervalo para reflexão.
Comecemos com “Assim é a vida”: existem circunstâncias nas quais somos tentados a jogar fora o
que é apenas a representação do nosso próprio tédio.   Uma olhada mais profunda revelaria que o
tédio é seu e não do outro. Ninguém nasce para fazer o outro feliz, cada um  tem a obrigação de
fazer-se feliz. E buscar em Deus a própria felicidade.
Preste atenção, baby.
Preste atenção, baby, para que outros não lhe digam: “Agora é tarde, baby.” Outra mulher, outro
homem já estão escrevendo o happy end que você deixou pelo meio. Seja a história da mesinha que
foi jogada no lixo, seja a história do amor que foi sacrificado como peru de véspera. E que outra
está saboreando e lambendo os beiços.
O que é lixo para uns, é luxo para outros. Por isso, eu cato lixo. Ivo foi catado do lixo, mas
ainda era solteiro. Outra bobeou, jogou fora esse tesouro, e eu catei: é meu, não devolvo, não
vendo, não troco, não dou. Naquele tempo, fiz isso com certo pudor, mas com firmeza. E não deu
outra: ela quis de volta.  Uma carta  na véspera de argolarmos o dedo, confirmou a tese milenar.
Mas o que já era meu, continuou sendo meu, com a concessão de Deus.
 Quem mandou jogar fora? Agora é tarde, baby.


Como vocês podem ver, só hoje assumi publicamente a minha vocação, mas ela é  antiga.   Bem
antiga.


Ana Ribas




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RECEBI O SELO "BLOG INTELIGENTE."
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.





Abrigado dentro do Recanto das letras eu tenho um site que se chama “Abrahana – Abra Ana – Conte
Tudo.” Muitos de vocês, nunca me visitaram por lá, e eu entendo. Esperar que aquela capa se abra,
escolher uma página e  um texto para ler, dá mais trabalho do que um cliquezinho mágico que abre
e fecha, aqui no “bandejão”, sem nenhuma frescura.
Acho que fiz o site, para mim, como uma mãe faz um filho para si, nos primeiros meses de vida. E
fica em volta dele. Se for mulher, coloca um lacinho cor-de rosa, se for homem, um lacinho azul.
Meu site é amarelo. Escolhi essa cor desesperada, desde a primeira vez, e amarelo ficou. O site é
 bem limitado: não permite muita coisa. Mas é meu, entenderam? Faço dele a extensão da minha
casa, caprichando o mais que posso. E posso pouco, porque não me dão muitas ferramentas.
Há dez dias atrás, ou cerca disso, recebi um e-mail que me deixou eletrizada. Marcos França, dono
do site “Cultura Nordestina” disse ter gostado do site e convidou-me para uma parceria. E eu que
nem sabia que isso existia.
 A alegria foi imensa. Alguém de fora do Recanto, descobriu o meu site, gostou, e convidou-me
para uma parceria. Fiz a parceria. Antes, porém, fui contar a novidade, para os só humanos aqui
de casa. Para esses, que conhecem  nada do universo virtual.
Eu conheço quase nada, mas entre eles sou doutora. Deparei-me com três reações, as três hilárias:
 -Ivo: -“Linkar”? O que é isso? Você só pode “linkar” comigo.”
-Jefferson, noivo da Silvia: - “Cuidado, dona Ana isso pode ser perigoso”.
-Silvia: “ É? Que legal!”
A partir daí descobri a imensidão do universo blogosférico. Do "Cultura Nordestina", que foi o
primeiro, avancei para parcerias com vários outros: “Blog do Airton Soares”, que já estava
recomendando o meu site, há vários meses, e eu nem sabia; “Curiosando” do Rodrigo Piva, um site
interessantíssimo, com fotos estupendas,  a quem pedi parceria e foi concedida; “Ferananet” do
Júnior, um site jovem, antenado,  que também me foi super receptivo; “Coisas de Maria”, da Maria,
que domina a linguagem tecnológica e compensa a minha falta de domínio com a sua paciente doçura;
e agora, por último... tchan... tchan... tchan... tchan... o “Arquivinho” da Aninha Goulart que
além de ter um conteúdo gostoso demais, ainda oferece endereços bárbaros, só com o intuito de
compartilhar. Esse site é referência na Blogosfera.
 Pois foi Aninha Goulart quem me concedeu os dois primeiros selos da minha vida de blogueira: os
dois estão expostos na secção de Prêmios do meu site. Foi do "Arquivinho" de Aninha,  que saquei
o endereço de um site americano que faz Retratos de Época, como esse, que fiz ontem, às pressas,
e ilustra este texto com a imagem. Ficou lindo, não? E engraçado também. O que será que estou
fazendo com esse martelo em uma  mão, e uma maçã  em outra, lá pelo ano de 1920? Hesitando entre
o pecado e a justiça?
Bem, todos esses sites, estão disponíveis para  vocês na secção de Links do meu site. Inclusive o
de Retratos Antigos: faça o seu, salve no pc, ou envie para quem quiser. Há todas essas opções
disponíveis.
 Visitem os demais sites que relacionei e  deliciem-se com o conteúdo.  Se puderem deixar um
comentário, digam também, que fui eu quem indiquei. Só para me fazer feliz e demonstrar gratidão.
 Essa  gratidão que estendo a todos vocês. Sem vocês, do Recanto, só haveria textos arquivados
nas gavetas, jogados em cantos escuros,  esquecidos  nos labirintos da mente, abstraídos em
visões intencionadas e jamais concretizadas.
ÔOOO!!!! Esperem aí: Não  esqueçam de voltar! Mais tarde, liberarei o texto do dia. E conheçam os
meus prêmios recebidos: Gente, Eisntein com a mão na cabeça,  ilustrando a frase “Este blog é
Inteligente” é só um selo, como tantos que correm pelo mundo virtual, mas tem, para os
blogueiros, o sabor de uma medalha de ouro.
Que me foi concedida, enquanto eu dormia: “ Se o Senhor não edificar a casa, em vão vigia a
sentinela.” Pois é. A sentinela dorme  e Deus edifica. Obrigada, meu Deus!


Ana Ribas




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NÃO REVIRE A LATA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Não sei se a descoberta é óbvia, se é sutil, se é apenas adivinhada, em um daqueles momentos de
pura revolta, que pode acontecer numa tão segunda feira pela manhã. Eu só sei que a descoberta me
veio em cintilância de revelação. Um dia, como brilha um cristal partido, ela brilhou. E eu sorri
e disse: mas então é isso? Mas “isso” é muito perigoso.
 E no entanto, perigoso ou não, a descoberta me foi tão clara como o sol do meio dia. Que
continua brilhando, para mais claro ir se fazendo. O peso da responsabilidade de saber,
eximiu-me da culpa de não compartilhar porque dentro de mim havia um chamado para proteger o
mundo: revelar poderia ser danoso demais à humanidade e eu era a mãe do mundo, a mãe que continhaum grande segredo.
Eu pensava que era adulta, mas ainda era criança.
 Hoje cresci e decidi compartilhar com vocês que o trabalho é uma maldição. Uma maldição que foi
impetrada contra nós lá no Jardim do Éden e que continua nos arrostando pela vida afora como uma
escravatura celestial: “ No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra; porque
dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás.” GN 3: 19.
 O trabalho é uma maldição e Deus quer que você corra atrás da bênção. É na bênção que está a
libertação de tanto trabalho. Porque na lei da escravatura, estava escrito - apenas - que o homem
deveria trabalhar em troca do pão que alimenta, mas esse mesmo homem, ampliando a maldição,
determinou que alimentar-se só de pão seria pouco: então passou a trabalhar ainda mais para
alimentar-se de carros, de fazendas, de casas, de iates, de viagens, e de tudo o que reluz como
ouro.  A sedução enganosa do ouro fez do preço da maldição uma carga excessivamente pesada. Mas
tem gente que gosta. Tem gente que sucumbe ao peso e morre.
 Quando eu era operária, que tédio me davam as que se ufanavam de sê-lo.As que exerciam com
glória o seu destino de mouras.  Eu era apenas conformada.
 E conformada mesmo, tornei-me chefe de tribo. Fui chefe de tribo durante 20 anos e nos meus dias
 de chefia, ninguém morreu de tanto trabalhar, ninguém fez hora extra, ninguém ouviu de mim uma
convocação para que se doassem integralmente à maldição do trabalho. Que integralmente só Deus
nos merece. O mesmo Deus que nos amaldiçoou com a bênção do trabalho, na esperança de que em
vendo a maldição todos os dias, o buscássemos em todas as horas.
 Quando eu era chefe de tribo, houve dias em que alguns escravos vinham trabalhar, com vontade de
trabalhar- que esse mal é recorrente e necessário. Pois se Deus nos impetrou a ordem para
trabalhar, que se trabalhe então, segundo a ordem de Deus. Mas houve outros, que, nesses mesmos
dias em que aqueles trabalhavam, esses outros fingiam trabalhar – que esse mal também é
recorrente e necessário. Pois se Deus nos criou com a capacidade de sonhar infinitos azuis, que
se sonhe então, segundo a capacidade que Deus nos deu, de sonhar infinitos azuis, enquanto se
trabalha.
 Os que estão em dias de ordem e progresso, não devem atrapalhar aqueles que estão em dias de
sonhos secretos. Não há antagonismo nas duas proposições quando se sabe que ambas estão latentes dentro do homem. O equilíbrio é azul.
O equilíbrio é assim como uma gangorra que sobe e desce, e mantém o vai-e-vém da máquina em
pleno funcionamento. Que não se exija do homem que ele seja super-homem e tudo estará bem. Que
não se exija do homem um diálogo marxista quando o que ele quer é apenas cumprir a sua trajetória
acostumada.
Dessa maneira fui chefe de tribo durante 20 anos: não exigindo nada que a humanidade não pudesse
conceder  e ainda assim recebendo tudo o que seria possível receber. Nunca coloquei um CGC como
prioridade em minha vida de chefe de tribo. Minha prioridade sempre foi cada um dos membros da
tribo. Nunca permiti que um aniversariante tomasse o rumo entediante do trabalho no dia mágico do
seu aniversário. Onde já se viu um aniversariante ser presenteado com a maldição do trabalho, bem
no dia abençoado em que veio ao mundo? Nunca adverti o ser humano por ele ser humano. A bem da
verdade, em 20 anos de trabalho, fiz isso uma única vez. E  arrependo-me profundamente de tê-lo
feito.  Sempre segui o que meu coração mandava fazer diante de mulheres que vinham trabalhar  com
filhos doentes e cólicas menstruais dolorosas. E voltavam para casa, na mesma hora.  A diretoria
era um lugar de encontros apenas necessários; o coração era o lugar dos encontros definitivos.
 E havia oração no início de cada dia, e havia a leitura da Palavra, e aquela oração e aquela
Palavra, nos fazia lembrar que temos um único Pai e que  somos todos irmãos. Isso coibia qualquer
pensamento abusivo. Pois se Deus nos via, como esconderíamos dos homens  aquilo que Deus já
sabia?
 Deixei aquele lugar depois de 20 anos, sem oferecer a ninguém a mediocridade dos que governam
para o exercício do autoritarismo. Livrei-me do peso da impostura, porque entre meus pares, nem
autoridade - na acepção humana da palavra - precisei ser: cada um tornou-se responsável por
aquilo que cativara no outro, e o amor de Deus  encarregou-se de elucidar brandamente o nosso
destino.
 Outros vieram depois de mim.  E nesse depois de mim, todos os paradigmas que Deus me orientou a
criar ali, foram desprezados, como se despreza um pão bolorento. Criou-se  a teoria de que toda
ação deve ser investigada à exaustão. Procurando bem, sempre se encontra alguma coisa cujo
destino seja a lata do lixo.   Quem tem fome de porcaria, que revire a lata. Quem tem vocação
para cão, que fareje o mundo. Mas quem tem sede de Deus, que olhe para o Alto. É simples assim.
 Ah, administradores do Brasil e da minha terra, e do mundo:   uma só coisa tenho a vos dizer -
bobos sois! E no futuro,  nada sereis. E enquanto todos vós caminhais para o nada, Deus segue
sendo tudo.


Ana Ribas




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A HISTÓRIA QUE JÁ VEIO ESCRITA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Como conhecer jamais as insuspeitáveis possibilidades que o homem contém nessa pequena vida que lhe bate no peito? O universo é tão vasto. E assim como o macro é o micro. A beleza do sol não
está apenas em seu fulgor ardente,  mas na escolha pacífica da sua trajetória. Ele apenas se
levanta, quando a terra ainda dorme, e segue impávido o seu caminho de luz sobre os feixes de
trigo.   Quando  termina de abençoar aqui, começa lá. Foi-lhe devidamente providenciado que
brilhasse, aquecesse e embebesse de vida a mínima semente que contém seu próprio mistério. E
assim, um mistério ajuda ao outro, e ambos latejam em vida.
Também sei da história de uma rosa. Tão breve. Tão linda. Tão heroicamente nada, acostumados que
estamos a pensar que tudo que apenas deleita os olhos é fútil. Um dia, toda rosa é uma rosa, mas
no outro dia, toda rosa já era rosa. De carmim, suas pétalas  passam a lembrar o fúscia, e depois
o rosa, e depois o rosinha pálido que se transforma em anemia,  e depois de grave doença anêmica,
 o que era - já não é - e  tomba, nada sendo.
A rosa morre de morte tombada. Mesmo que o caule ainda lhe sustenha, ela desiste quando
compreende – subitamente compreende- que a beleza inspirada por Deus não comove mais o coração
dos homens. Que para isso ela veio.
 Uma vez, de pena da rosa, guardei suas pétalas no meio de um livro. Ela protestou, pediu para
ser devolvida à natureza e, nesse dia mesmo, logo pela tardinha, atendi ao seu protesto e a
entreguei aos cuidados do vento.
O vento é primo distante da rosa. Cuidaria bem dela.
E o Padre Fábio de Melo? Que lindeza de amor profundo. Os olhos são a lâmpada do corpo, e Padre
Fábio é de tanta luz e tanta água, que a mim parece um chafariz iluminado, abastecido do mais
profundo manancial. Mas ele próprio é um remanso. Um remanso de grandes olhos negros, que me
deixa de um sem fôlego comovido.
 Quando assisto Pe Fábio, em seu programa semanal pela televisão, não o faço para ouvir o que de
tão lindo ele fala, mas para ver o que de tão maravilhoso ele esconde. Padre Fábio é o simbolo
que escolhi para ser o mistério de que vos falo hoje.
 Houve um dia em que, em se sabendo mistério, Pe. Fábio desistiu  de ser a folha que é levada
pelo vento. E veio ser, para todo o Brasil, um pai precoce. Quando ele diz “minha filha” para
qualquer mulher que tenha idade para ser-lhe mãe, já se sabe: esse já nasceu pai de uma
humanidade desesperada. Um pai que representa o Pai. Mas que deixou esperando uma moça que queria ser mãe. Tão lindos seriam os filhos biológicos de Pe. Fábio, com a moça que queria ser mãe. E
que não lhe nascerão nunca.
Todo esse rodeio, sabe-se logo é só um preâmbulo. Hoje quero fazer-lhe uma pergunta que há
milênios me intriga: por que o grosso da humanidade pode gastar os melhores anos da vida na
liberdade do vento  e eu- essa que vos escreve-  não posso?
  Eis aí um mistério. Que experimento desde a mais tenra idade. Tenho a exata sensação de que não
escolhi nada do que se me atribuem ter escolhido. Apenas recebi o que já se me havia configurado
receber.
Outros recebem o que querem, o que pedem, o que elegem, o que preferem.Mas mesmo esses, esses que
apenas vão,  ainda guardam as possibilidades da semente, que todo homem contém, para ser
plantado, nascido, crescido,  morrido e comido.
 Um certo dia, o vento que sopra aonde quer, faz do homem-folha um homem-semente, trazido por mão poderosa, que o faz receber, finalmente, o reino que lhe é  familiar.
Familiar é gastar-se a cada dia, em mínimas porções de secreta nostalgia. Eu não consigo conceber
um homem sem a nostalgia que acompanha o seu pequeno chamado de dura semente.
Um dia, o meu nome foi apenas anunciado. Não houve um tapete vermelho quando Deus falou: “vai
Ana”. Também não haverá tapetes vermelhos quando Deus disser: “volte Ana!” E eu, eu que recebi a
primeira lufada de vento bem no meio da cara, e acreditei que sim – que podia ir- tive bem cedo a
experiência de uma correnteza direcionada: “é para cá,” disseram-me. E para cá, obediente, vim.
Podia ter ido tão mais longe. Possibilidades intrínsecas não me faltaram: logo cedo descobri que
estar desassosegada era o postulado de uma liberdade que, em algum lugar, se me chamava. Eu era
jovem - e era linda - e era perspicaz: meus olhos viam tudo e meu coração pedia mais. Então por
que não fui?
 Se eu soubesse a resposta, teria obtido a substância de que é feita a vida. E o modo de obter
seria uma nova realidade de se ser.
 Mas que sei eu?
Eu só sei pensar. E nesta manhã, quero pensar o que prefiro, o que gosto, o que faço bem: o
imponderável da vida que se manifesta na alegria brevíssima de saber - apenas sabendo- que  o
sol, a rosa, o Pe Fábio, eu, você,  e todos os homens feitos desse lindíssimo  involuntário, um
dia, receberemos um bilhete que nos dirá assim: “ vivemos um ao outro profundamente, e hoje Eu
lhes ofereço a possibilidade de só viver em Mim.”
Nem vou pensar duas vezes para me diluir inteira.


Ana Ribas




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PERDOEM-ME PELA BAGUNÇA, ESTOU EM OBRAS.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Ah, as fases pelas quais passamos, e que nos fazem mudar, até que o ciclo se feche, e nós
voltamos. A cada dia, olhamo-nos ao espelho e perguntamos: “essa enfim sou eu?” Não, ainda falta.
Eu bem poderia escrever na terceira pessoa do plural, ou recorrer ao expediente de narrar as
histórias de uma terceira pessoa. Mas o que se faria com a primeira? O “ele” ou “ela” poderia
salvar-me da identificação do mundo,  mas não me salvaria de mim mesma. “Essa sou eu” – eu me
diria. E se escolhesse essa existência impessoal, sem a grife de Deus,   mais os meus passos se
tornariam excessivamente cansados.
Não! Prefiro dizer: aqui estou! Sou um ser com uma placa ao pescoço, pedindo perdão pela bagunça
da obra que ainda não ficou pronta: “Desculpem-me, todos vocês, estou em obras. Para o bem da
humanidade. Para o bem de todos.”
Não sei dizer, exatamente, quando fui me tornando assim: econômica em gastar meu tempo naquilo de
que não gosto. Prefiro gastá-lo só com aquilo de que gosto muito. E essa preferência, às vezes,
se revela em impaciência. Se não me agrada a maneira como o tempo está me esvaindo pelo vão dos
dedos, se sou constrangida a participar de um acontecimento, fico aflita e impaciente,  até que,
por absoluta incapacidade de esconder o que não consigo mais disfarçar,  vou-me embora, sem
esperar que se me apresente um motivo para a saida estratégica.
Minhas saidas nunca são estratégicas, são sempre febricitantes. Apaixonadas. Simplesmente,
levanto-me e vou. Assim é com festas, assim é com cultos religiosos. O caminho da festa é sempre
o mesmo: começa apoteótico e termina tão triste! O caminhos dos cultos, às vezes, vão por igual
sentido:  começam com a Palavra de Deus e terminam com a palavra do homem. Eu não aguento.
 E se passo demasiadamente dessa minúscula e obliterada capacidade de aguentar,  chego em casa,
tiro o uniforme, desabo  e choro. Choro tão sentido que me parece estar chorando aquele mesmo
único choro, daquela mesma única noite.
E devo mesmo chorar, porque se retivesse o choro, demoraria mais para me refazer da perda dos o
segundos que se extraviaram, dos minutos que se evaporaram, das horas que se perderam, no funil
do nada. E que não voltam mais.
Se você pensa que fiquei assim quando descobri que poderia não ter mais (tanto) tempo para gastar
comigo, engana-se. Fiquei assim porque tenho tempo para gastar comigo,  e gastá-lo comigo
significa gastá-lo com Deus, e não quero gastá-lo com ninguém mais além de Deus. Sem esquecer que
Deus  também vem embalado no outro. Esse outro, que embala Deus, é o outro cuja companhia eu
quero.
 E desde que decidi que o meu querer é o mais importante querer do mundo, - porque é o querer de
Deus para a minha vida -  parece-me que tenho sido imanada pelo telefone, pela campainha, pelo
rádio amador, pelo celular, por todos os meios que a moderna comunicação dispõe para nos oferecer
– por exemplo – mais um cartão de crédito.
 Eu que me escondo tão bem do mundo dos vivos, às vezes me distraio feio, e quando a voz do lado
de lá pergunta: ‘é Ana Maria?” eu respondo: “é ela.” Pronto, lasquei-me. Estou à mercê de um
fantasma delicado e firme, que me oferece livros, revistas, cartões, e candidatos às próximas
eleições, com a convicção de quem está me fazendo um grandíssimo favor.  
Houve uma época, - olha aí as fases da vida – houve uma época em que eu não me permitia faltar a
nenhum acontecimento social nesta minha pequena orbe. Parecia-me que a vida era feita de ânsias
eternas. E que todas elas passavam pelos convites que recebíamos, e que não poderíamos recusar,
sem alimentar o sentimento de des-pertencer. Que alimentava  o medo de não ser convidada para o
próximo evento. Todos eles questão de vida ou morte.
Ivo então, - grande Ivo-  observando que a minha ansiedade nunca se aplacava, e que era sinônimo
dessa vocação para o infinito, chamou um desenhista e pediu a ele que escrevesse no paredão que
há nos fundos do hospital – em frente da nossa casa – o versículo 7 do capítulo 5 de I Pedro:
“Lançando sobre Ele toda vossa ansiedade porque Ele tem cuidado de vós.”
 Todos os dias, logo pela manhã, eu abria a porta da varanda de casa, aspirava a tepidez do sol,
o frescor do ar, a placidez de um dia solonolento, e comia aquela Palavra. Em jejum ainda, eu me
alimentava com aquela Palavra. Que a Palavra de Deus é para ser comida com arroz e feijão (tão
bom) ou com caviar (horrível). Ou no seco mesmo. E isso, eu começava a assimilar. Ah, as fases da
vida...
 Por esse tempo, Ivo sentiu um forte chamado para o Evangelismo. Que se revelou de maneira
singular:  contratou esse mesmo desenhista para que escrevesse na cidade inteira – em todos os
muros, cujos proprietários permitissem- versículos bíblicos abençoando a terra. As  letras eram
continuamente redesenhadas, sempre que a pintura azul se apresentava desbotada, pela ação da
chuva e pelo desgaste do tempo.
A cidade inteira era uma Bíblia aberta, disponível a todos. Eu me iluminava, cada vez que passava
diante de um muro branco, bordado em azul, porque sabia que a minha casa estava sendo instrumento para a tomada de Jericó.
Dois anos depois, quando a cidade ainda permanecia engalanada, com grande parte de seus muros
brancos anunciando o Evangelho em bordadura azul, aprouve a Deus fazer-nos provar do Evangelho em cinza chumbo.
Foi como manter apenas uma mínima escuta com o mundo dos vivos, nós que acabáramos de ser quase mortos.


  Ah, as fases da vida...


 Ivo perdeu o gosto pelos azuis e brancos dos muros que enfeitara para Deus. Entristeceu.
Desistiu de bordaduras nos muros e foi evangelizar os presos nas cadeias e nos presídios. Que
preso também ele se sentia, nesse perplexo mundo de Deus.
Foi um lindo trabalho de reabilitar  vidas pelos caminhos do coração e do espírito. Que um dia,
acabou, quando a tristeza amenizou.
Mas o susto nunca passou. Ivo disfarça o susto dizendo - o que já disse a vocês, - que ele sempre
diz: “ Eu não gosto disso. Eu gosto do meu arroz com feijão.”
 Hoje Ivo come arroz com feijão, toda semana, todos os dias, de todos os meses, de todos os anos,
no Rotary Club.
Esse, enfim é o Ivo?  Não, ainda falta!
Meu caminho se fez de maneira oblíquia: gravei os versículos no coração e desisti de ler
bordaduras nos muros. Preferi sair por aí e por aqui,  bordando-me para inspirar as pessoas a se
bordarem também. Há dias em que a agulha me fere toda. Mas se para isso fui chamada?!
 Essa, enfim é a Ana ?   Não, ainda falta!  


Ana Ribas




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CHÊ GUEVARA DE PIJAMA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Hoje é quarta feira e eu gasto esse dia do jeito que quiser. Quarta feira é dia de alforria. Nos
outros, eu me cobro uma regularidade muito próxima dos trabalhadores normais. Todo aposentado
deveria impor-se essa mínima rotina que o fizesse caminhar todos os dias, (com ou sem vontade),
estipular uma data certa na semana para  visitar um  amigo, fazer feira ou compras no
supermercado, enfim, desempenhar a idéia de normalidade e defendê-la com certo ardor.
 Pertencer é uma delas. Precisa-se pertencer a uma causa, a um grupo social, a um mínimo mundo
mais amplo do que o círculo familiar, e que esse mínimo mundo  nos tome por empréstimo como se
toma um sapato velho, e  nos devolva  em meia sola para o de onde viemos. Isso se chama sentido e
direção. Há direções mais altas e mais sublimes,  mas nem mesmo essas nos isentam da necessidade
das  alegrias brevíssimas.  Que de carne  ainda somos feitos.
  Mas há resoluções que só dependem de nós. Compartimentar os meses, as semanas, os dias,  é uma
forma de evitar que a vida não se pareça com um único dia comprido. Eu, por exemplo, detesto ir à
academia e vou. Todos os dias, com exceção das quartas e dos finais de semana, imponho-me o dever
de ir. E mesmo quando  estou apenas indo, já tenho a sensação de estar mais sendo.
Estar mais sendo é um jeito de boa humanidade, um jeito de exercer clemência,   paixão e
benolência para consigo mesmo. E assim elucida-se o destino que, a essa altura da vida nos parece
tão compulsório. Elucida-se o destino e oferece-se à ele as incertezas próprias da vida. As
incertezas que acompanham as coisas certas tais como nascer, viver e enfim, morrer.
Será que você me entende?
 Se você já é aposentado como eu, experimente entender-me, impondo-se a rotina de um mouro
preguiçoso que acorda em horários certos,  toma banho, veste a roupa apropriada, e vai à luta, só
pelo dever de matar o dia comprido antes que ele lhe mate.
  Penso que impor deveres de casa, é um jeito bom de se gastar o tempo que nos falta - a todos -
para vestir o pijama de madeira.  Um jeito tão sagrado, que ninguém, nem mesmo seu filho, ousará
dizer à você: “hoje você pode fazer tal coisa para mim?”
Não, você não pode. Não pode, porque tem as suas próprias coisas para fazer. Tão chic isso. Eu
fico toda iluminada quando alguém me diz: “ nossa, como você é ocupada.” Sou mesmo. Sigo uma
agenda invisível, tenho um chefe exigente e cobro-me um ritmo de trabalho muito próximo daquele
que  imprimia, quando estava na ativa. Que na ativa, ainda estou.
Percebo também a felicidade das minhas filhas tendo uma mãe ocupada: “minha mãe tem mais de 700
amigos no Orkut,  é escritora, é atleta, é pregadora,  é uma mulher muuuuuito ocupada" – elas
dizem, com certo orgulho.
E alívio. Quem vai querer a sina de uma mãe que dependa do oxigênio filial para respirar em
largos haustos a pequena vida que recebeu de Deus? Não! Cada um deve viver no contorno dos seus
dias, e no entorno das suas próprias paixões. Com essas  se constrói uma vida de viver.
Mas eu, eu que nem queria falar só disso, me distraí. Seria só um preâmbulo, esse negócio de
dizer que quarta feira é meu dia de folga. E o preâmbulo ficou sendo a alma do texto. Com um
agravante: bem aqui no meio dessa frase me vem o sentimento de que hoje, exatamente hoje, um
homem que está desempregado há muito tempo,  irá ler este texto. E sentirá inveja dos
aposentados.
Ei, você! Quero falar agora com você, desempregado. Quero lhe oferecer um jeito de empregar-se
sem patrão. E sem salário: não vou lhe enganar, não.
 Minha fala abordará duas situações: o desempregado número 01 e o desempregado número 02.
 O desempregado  número 01 não tira o pijama do corpo e nem o chinelo do pé. Faz a barba
raramente; a barba é sua forma de protesto. Fica irritado com o canto de um sabiá. E se de noite
a coruja pia, ele dorme durante o dia. O tubo de imagem da televisão, a madrugada gastou: a
imagem demora para aparecer na tela e essa demora é um jeito  de reclamar  do excesso de trabalho
noturno que você lhe impõe.
Trocando a noite pelo dia,  você acaba acordando ao meio dia. Ver um homem de pijama, ao meio do
dia,  na cozinha de casa,   é uma visão dantesca que exige dos demais membros da família o mesmo
cuidado que se teria com um moribundo sadio. Enterrar não se pode, não morreu. Viver, não se
vive, o sujeito desistiu. Esse é o aposentado número 01.
 O aposentado número 02 cuida da casa e dos filhos, enquanto a mulher trabalha, e o emprego não
acontece.  Dispensou a empregada mensal e aderiu ao sistema de diarista. Quando os filhos voltam
da escola, sentem lá da esquina, o cheiro bom de feijão recém temperado.
Eu acho melhor um desempregado cheirando a feijão, que mata a fome da família, do que um
desempregado cheirando Che Guevara aposentado. Mas isso não significa que concordo com aqueles
que disseram que Chê tinha cheiro de bode velho. Até escrevi sobre isso na categoria “Artigos”,
por ocasião da comemoração do aniversário de sua morte. Foi o meu artigo mais lido.
Pois nesse artigo eu fiz um exercício de verificação, que quero compartilhar com você: cada
pessoa entende o que lê, da forma como o seu coração pede. Alguns pediam que eu amasse Tchê e
então entendiam que eu o amava. E comentavam: “salve Tchê!” E eu respondia : “Salve Tchê”.
Outros, pretendiam que eu execrasse Tchê, e para acalmar o exaltado, eu sempre me socorria nas
palavras do próprio:  "Hay que endurecer pero sin pierder la ternura.” Esse  esquecia-se da
ternura e ficava com a parte dura. E eu dizia, que sim, que a pedra é dura.
Sacrificar a verdade que construimos é sempre uma grande loucura. Seguimos, então, sendo loucos.
Hoje serei louca da maneira mais trivial possível: vou fazer pão integral e abastecer o meu
freezer com o pão congelado de cada quarta feira.  Depois, vou descer a Rua Peabiru, que é a
principal rua de comércio da minha cidade, e abençoar as lojas que abriram. Abençoar de uma forma
prática: gastando um pouquinho. E depois passarei pelo banco. O banco que abriga minhas parcas
finanças.
O banco bem limpinho de uma instituição financeira pode ter cheiro de pinho sol ou pinho lua.
 Outro dia, eu me sentei no banco de um banco, e tive que levantar correndo, mas  já era tarde:
fiquei  com um cheiro forte de urina, do qual demorei dois dias para me livrar. Coisas que a água
não tira, porque impregna mais o nariz do que o corpo. Coisas que um banco não ensina de como se
livrar.  E esse banco era o Bradesco.
Mas era dia do pagamento de aposentados. E o último aposentado que sentou ali, antes que eu me
sentasse,  era Chê de pijama, com um gorro na cabeça, uma grande  barba branca, e uma imensa cruz
no peito.
Foi a compreensão da cruz quem me libertou do cheiro acre de urina e me transportou para o bom
perfume de Cristo. Mas naquele banco só me sento, depois de cheirar. Como um cachorro cheira o
mundo.


Ana Ribas




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É MELHOR CONFESSAR.
ANA MARIA RIBAS.






Pois eu, metida a estar entre intelectuais,  quero confessar a todos vocês: sou de uma lerdeza
de fazer dó. Às vezes, parto para visitar uma escrivaninha intelectualizada, e já vou com medo:
medo de não entender. Tenho que ler o mesmo texto duas, três vezes, mil vezes, para só então
concluir: “ mas é isto?” E ainda vou conferir nos comentários se “isto” é “aquilo” mesmo.
Na hora de comentar, então! Aí mesmo é que a lerdeza se acentua. Tem gente que escreve tão
bonito, e com tanta profundidade, que não sei como dizer, em palavras inteligentes, que passei
por ali e entendi – o que nem sempre entendi. Mas me esforço, eu juro para vocês que me esforço.
Escrevo, deleto, escrevo de novo, deleto de novo, e, algumas vezes não tem jeito:  vou-me embora,
entristecida,  pela absoluta incapacidade de escrever coisa alguma que valha a pena.
Fico “babando” nos comentários que os outros fazem, e a vontade  é dizer assim: “faço minhas as
palavras do fulano de tal.” Palavras que mudaria ligeiramente,  para não ter que confessar que as
tais não são minhas. Que o entendimento me veio raso. Que o que parece ser apoteose é apenas um
jeito de sair pela surdina, pegando carona na apoteose dos outros.
O nível de intelectualidade que permeia no Recanto, primeiramente me assusta, e depois me comove.
Fico comovida porque aprouve a Deus dar-me algumas sementes, em forma de palavras, para semear
nessa seara de cérebros altamente privilegiados.
Quando escrevo, eu sei que sou transformada e que posso transformar o mundo. De improviso.  Mas é porque não sou eu quem escreve: é Deus em mim.
Deus também escreve de forma simples para que todos entendam. Se bem que, às vezes, Ele me
concede uns textos mais complexos, para satisfazer aos mais complexos. Deus ama todos.  Mas tanto
a simplicidade, como a complexidade, não são minhas, são dEle.
Tenho a exata noção de que sou uma caçadora de borboletas, enquanto escrevo palavras. Quando me sento aqui, trago nas mãos aquele grande coador vazio; e quando me levanto daqui, também levo nas mãos, aquele grande coador vazio.   Deixo as palavras, e volto a caçar borboletas, até a próxima
sentada.
Por exemplo: uma escritora não deveria saber a mínima coisa, sobre as máximas coisas ditas por
Platão, Sócrates e outros tais? Não sei nada!
Também não sei nada sobre temas técnicos ou científicos. Eu me adestro para o combate e sempre
volto perdedora,  quando sou confrontada com as institutas do torto e do Direito, que para mim,
vão além daquelas que Justiniano, imperador de Roma, redigiu.
Minhas preferências musicais ficam em torno dos hinos que rendem louvores a Deus. Qualquer
sanfoneiro louvando a Deus, me encanta, e faz-me bater palmas. Verdade seja dita: quando ouço uma
sertaneja, me ilumino também, mas disfarço. Seguro firme, para não dançar.
Filmes? Só vejo raramente, se a minha companhia é muito solicitada – pelo Ivo. E sempre quero
mudar o final, que me parece óbvio demais, ou louco demais, ou sem final demais. Ontem vimos “ O
Caçador de Pipas.” Não quis mudar nada. E hoje me veio o “caçadora de borboletas”. Será plágio?
Da língua do Tio Sam, nada entendo. Quando Marília escreve-me comentários chiquérrimos,
entrecortados por palavras nesse idioma, pesco aqui e ali, sempre adivinhando um veri biltiful
ao que agradeço, encabulada.
 Não falo inglês, não entendo inglês e dada a brabeza da situação financeira, penso que para EUA
não viajarei mais como turista. Meu visto venceu, o dinheiro encurtou, e a dor e mágoa que me
levaram a outros países, o tempo amenizou.  Graças a Deus, a camponesa voltou. Enfim, estou em
casa!
Ou seja: não sei falar inglês, mas também não vou usar inglês. E por aqui, vou-me virando como
posso.
 A única vez em que estive na América do Norte,   vi-me diante de um prato de comida,  sem
talheres, e ali fiquei uns bons minutos, com a fome estampada na cara, e a necessidade urgente de
um garfo, uma colher, uma pedra lisa, uma espátula, qualquer coisa que me servisse de instrumento
para levar à boca o arroz com fritas e saladas, do qual me servi - no self service ( essa
expressão sei falar e escrever).
Quase comi com a mão. Durante o resto da viagem o que me salvou foi “eipol pai.” Torta de maça.
Era  assim que foneticamente eu me expressava, e era assim que me punham na mão aquela gostosura
quente, com creme e canela. Que no final da viagem, já me saía pelos olhos.
Eipol acho  que se escreve assim: aplle. O resto não tenho a menor idéia.
Aborrece-me ser essa tal Ana Maria que parece ser intelectual mas não é, que parece ser viajada e
apesar de ser- um pouquinho-, continua nada sendo.
Porque não vi o mundo por onde andei, da forma como os intelectuais devem ver. Eu vi o avesso. Eu
vi princesas encasteladas. Eu vi um velho imobilizado em uma grande sela de madeira maciça- como
as selas de cavalos - que lhe servia de cadeira, para tomar sol na praça de um "pueblo" espanhol.
E a tristeza daquele olhar, jamais esquecerei
Também vi tristeza em milionários, em camponeses e em cães sem dono.   Homem e cães sem dono são homens e cães sem dono, nos mais variados idiomas.
Em todos os lugares por onde andei, uma coisa eu observei: a terra está embaixo de nossos pés e
o céu muito acima de nós.
 Na fronteira de Gaza, eu vi  um soldado assustado atrás de uma trincheira.  E falei com o
soldado, e nos entendemos, sem conhecer uma única palavra do  idioma hebraico, e nem ele do
idioma português. E o que falamos foi de maior relevância do que uma entrevista com Ariel Sharon.
 Ainda preciso postar por aqui algumas dessas histórias. De Roma, já liberei: “ Meu Outono em
Roma.” Alguém já leu? Se não leu, vale a pena ver Roma sob a ótica de um ser que mistura o
Vaticano, o coliseu, o papa, um cachorro e eu. A mim me parece um jeito absolutamente único de ir
a Roma e não ver o papa.
 Para concluir: aborrece-me ser essa que sou!  Não me aborrece- porque- sei –que- nada- sei. Mas
porque tenho a  impressão de estar vivendo de maneira artificial, correndo o risco de, a qualquer
momento, ser desmascarada.
Então, para não correr esse risco, tiro logo a máscara e declaro: sou de uma total
incompatibilidade lógica. Ou seja lá o que fôr que isso signifique. Acho que significa assim: não
dá para dizer o que sou, nem o que sei, nem o que tenho para dar. Em mim não tenho nada, mas
procuro, tanto quanto possível, ser autêntica.   Não há adjetivo que me deixe mais feliz do que
esse.  Porque o Deus a quem eu sirvo, com a minha habilidade para escrever, é da mais pura
autenticidade.
 E, para encerrar,  esclareço  logo aos meus pares: esse alheiamento intelectual não é por falta
de leitura, não é por falta de boa vontade, não é por falta de empenho, mas por vocação para a
lerdeza mesmo.
 O que me falta em resolução léxica, sobra-me em azul de infinito. Esse infinito que se delineia,
me chama, não se resolve, e eu continuo perseguindo, como o caçador persegue  borboletas em campo coberto de trigos.  
E ficamos assim: eu tentando captar e escrever o que apenas pressinto, e você sabendo que sou o
que acabei de confesssar via Web para todo o Brasil: caçadora de borboletas abençoando a sua
vida. Com palavras.


Ana Ribas




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A SAÍDA TRIUNFAL.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Nesta temporada de caça às bruxas, que vai até o início do próximo mês, vejo que tudo é atribuido
aos políticos deste país. Concordo com algumas coisas, discordo de outras. Existem coisas
verdadeiras e bem faladas. E sobre essas não é necessário argumentar. Mas aquelas que me
incomodam, fazem parte de assunto que não domino e ainda assim, atrevo-me a dissertar - um
cadiquinho - sob a ótica dos que vêm apenas vendo, sem o respaldo de estudos sociológicos, sem
estatísticas, sem um prumo definido. Apenas com a intuição solidária dos brutos.
Os pobres deste país, os miseráveis, os subnutridos, os que estão abaixo da linha da pobreza:
terei eu capacidade de argumentação para execrar ou justificar a classe política dominante que –
aqui e ali – é responsabilizada por sua existência?
 Eu só sei o que sei. E o que sei é tão pouco e é de uma simplicidade tal, que me incomoda ter


que discorrer sobre isso. Ter que discorrer: como se premida por grande mão! Mostrando ao mundo que nada sei. E mesmo nada sabendo, escrevendo. Que Deus me ajude porque com a minha ajuda não posso contar!
Começa assim: Eu vejo uma onda de moralidade varrendo o país e isso é uma forma de partilha mais
justa. Se menos pessoas surrupiam o dinheiro público,  significa que, a cada dia,  mais pobres
são beneficiados com o produto daquilo que, antes, era extorquido pelos ricos.
 Porque via de regra, os quadrilheiros são sempre ricos. Se não começam ricos, ficam rapidamente.
E deslumbrados com tanto poder aquisitivo, começam a exibir-se demais. Quando a Polícia Federal
os descobre, os vizinhos, a família, o povo, já  os descobriu há muito tempo.
Mas há uma onda de moralidade varrendo o mundo. E aqui no Brasil não tem sido diferente. Pelo
lado negativo, é vergonha para a classe política, ela que está sempre à frente, ou ao lado, ou
logo atrás da roubalheira incipiente. Mas é também uma forma de resgatar a credibilidade, ainda
que seja compulsoriamente.
Mas e nós, estaremos nós, cumprindo strictu sensu com a parte que nos cabe? Ou usamos o argumento de atribuir todos os males da humanidade aos políticos porque essa é a nossa saida triunfal?
Até o final do ano, os trabalhadores domésticos terão o seu direito ao FGTS garantido por Lei.
Essa é uma lei que está vindo para beneficiar os pobres.
Mas, interessante, grande parte de nós, cidadãos que não concordamos com os limites insuportáveis
da zona de pobreza, não recolhemos o FGTS de nossas empregadas domésticas, porque isso nos foi
facultado. E agora que não mais nos será facultado o recolhimento,  o recolheremos,
compulsoriamente,  e dessa forma, estaremos contribuindo para diminuir a miséria daqueles que se
encontram desempregados, do dia para a noite, nesta vida de incertezas financeiras.
Eu sempre faço um exercício implacável do meu desempenho como cidadã brasileira e nem sempre
gosto da minha avaliação. Porque tenho um estrabismo visual que me coloca um olho na terra e
outro no céu.  Acho que sou maternalista, quando deveria ser mais justa. Acho que sou implacável
quando deveria ser mais maternal. Acho que não deveria precisar de lei para cumprir um direito
óbvio.
 Mas espero que a lei venha. Ando em cima da linha da lei, e com isso coloco-me à sua margem: à
margem da Lei de Deus que se resume em um único mandamento: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo.”
E assim resvalando na minha miséria, chego finalmente às palavras certas de Jesus: “vós sempre
tereis os pobres convosco, mas a mim nem sempre tereis.”
A pobreza neste mundo é inevitável. Se fosse evitável, Jesus teria dado a fórmula. Mas quando
Jesus disse essas palavras, Ele estava em Betânia, na casa de Lázaro, a quem  ressuscitara dentre
os mortos. Ali ofereciam-lhe um jantar.
 Então, Maria, movida pelo mais puro amor, fez um ato insano, para os sociólogos de plantão: foi
ao quarto, escolheu o seu perfume mais caro, o melhor, o mais Angel – Thierry Mugler, da época e
derramou tudo sobre os pés de Jesus. E os enxugou com os seus cabelos.
A grita foi grande, em nome dos pobres. E aí Jesus fez-lhe a defesa: “Deixai-a. Ela guardou este
perfume para o dia do meu enterro. Vós sempre tereis os pobres convosco, mas a mim nem sempre
tereis.” João 12.
Eu fiquei pensando muito nas palavras de Jesus e no contexto em que elas aconteceram. E cheguei à
seguinte conclusão: Jesus já não precisa mais de unguento para o seu enterro porque Ele não morre
mais. Isso significa que eu possa gastar o melhor frasco de nardo comigo? Não! Isso significa que
posso escolher entre o supérfluo e o justo, mas conforme Jesus mesmo previu, quando disse
“pobres sempre tereis convosco”, via de regra, gastamos conosco e ficamos com os “pobres
convosco.”. O supérfluo vence o justo.
Se santidade e justiça fossem parte inerente de meu ser, eu não compraria a bobageira cara de  um
perfume importado para ungir o meu cangote,  enquanto houvesse uma criança descalça na terra. Mas como, santidade e justiça próprias, ainda não fazem parte inerente de meu ser – e eu apenas as
tomo emprestada de Jesus - eu compro Angel, uso e saio por aí docemente angelizada. E sem culpa.
Jesus já sabia que assim caminha a humanidade, tendo anjos descalços diante dos olhos e Angel de
Thierry Mugler no cangote. Por isso, Ele disse: “ vós sempre tereis os pobres convosco.”
É inevitável. Os homens são egoístas demais para minimizar a pobreza que assola o seu próprio
quintal. Nós sempre achamos um penduricalho a mais para enfeitar as paredes da nossa casa e o
dinheiro que poderia ser usado para minimizar a miséria do quarteirão, do bairro, da cidade,
quiçá da família, nós o desviamos para a compra dos nossos objetos de desejo. Varremos para baixo
do tapete a miséria dos outros e aplacamos a nossa consciência dando um pão com manteiga ao
faminto que bate à nossa porta. Pronto, missão cumprida!
Mas amamos Jesus e Ele nos ama. Que ninguém duvide disso, porque ambas as coisas não são
excludentes.  Apesar da miséria incipiente, que nos nivela a todos por baixo: afinal quem somos
nós?
Somos um bando de miseráveis, cruzando os céus da Via Láctea, a bordo do Sistema Solar, -um
sisteminha de nada - perdido no meio de bilhões de outras estrelas, que habitam milhões de outras
galáxias,  e vamos que vamos, de maneira despreocupada, até que venha o novo céu e a nova terra.
Onde seremos todos igualmente iguais: maravilhosamente ricos, como rico é o nosso Pai Celestial.
Mas por enquanto, convenhamos:  a miséria do mundo e do Brasil, não é de exclusiva
responsabilidade  dos políticos do mundo,  e do Brasil.
 É apenas a sina dos tão humanos, nesta tão segunda feira de setembro, do ano  dois mil e oito,
depois de Cristo.


* Imagem pesquisada no google.


Ana Ribas




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DEBOCHADA É A MINHA IGNORÂNCIA VERBAL.
ANA RIBAS.






Eu bem que procurei um termo mais leve. Sabia que "debochado" daria uma idéia diferente daquela
que eu sentia no momento, e que precisava externar em palavras.  Mas recorri ao meu velho
dicionário já sem capas, e não sei se  as palavras entraram em decrepitude dentro de um
dicionário velho, e morreram uma a uma, mas o fato é que não encontrei nada mais leve para
substituir a debochada que você não é.  Encontrei, por exemplo,  a escarnecedora que você nunca
foi. Então lasquei o "debochado" mesmo e agora tenho que me virar nos trinta para provar que
focinho de porco não é tomada. Faustão entenderia e ainda me daria uns trocos. É o que eu espero
conquistar finda a tréplica. Uns trocos de pura aceitação. E que o I love you se perpetue de you
para I e de I para you.
Então vamos assim: "quem te fez assim tão divertida..."? Meu Deus, olha aí a palavra. Sabe que às
vezes  isso acontece com os meus óculos? Não consigo encontrar sequer um, eu que tenho tantos.
Outro dia, ele estava tão disponível quanto essa palavra que, ontem, me foi negada: em cima da
minha cabeça.
Mas hoje, de óculos na cara, e palavra na ponta dos dedos, mais uma ternura besta que me invade o
coração - venho lhe dizer que você é apenas divertida.  E também venho lhe perdir perdão pelo
pesado da palavra debochada.
Perdão, minha irmã! Em pedindo perdão a você, também o faço ao meu Deus.
 E com isso encerramos por aqui. E avançamos para as igrejas de ontem.
Lindo texto, cheio de reverência para com Deus. Deus não precisa de defensores, mas de vez em
quando, eu me meto a besta e entro no meio. Eu me inflamo de amor e fico vermelha de paixão por
um Deus que ama todos os seus filhos, e que os sabe, apenas,  divertidos. E quando sinto que
alguém fala dEle com a reverência- queEle nem exige-, eu me torno mais iluminada do que a torre
Eiffel.
 Deus sabe todas as coisas e nos acompanha tão de perto, dando-lhe a idéia criadora aí e dando-me
a idéia criadora  aqui. Ele escreve por nós, usando as nossas mãos.
Deus  avança e tem pressa. Nessa pressa que Ele tem de se revelar, ele lhe fez escrever o texto
de ontem: As Igrejas.
As igrejas são mais bonitas por dentro do que por fora! Meu Deus! Quando li isso, pensei: ela
tocou na ponta do manto de Cristo e trouxe de lá a mais pura cintilância do que há no céu.
Pois se nós somos a igreja, se cada um de nós é um templo, de certo, conhecer a igreja por dentro
é de uma lindeza que supera em muito, qualquer visão exterior que dela se possa ter por fora.
 Observe as barrocas mineiras. São lindas! Mas veja a sua alma por dentro, essa cuja nesga, hoje,
você nos permitiu desvendar: essa é de um caprichoso mineiro folheado a ouro que nem Aleijadinho
saberia compor.
 Reza, e em rezando, se descobre para o céu; mente, apenas quando necessário e em admitindo a
mentira já está se sabendo humana - como eu, que também minto quando me distraio; mistura alhos
com bugalhos quando junta Deus e os políticos brasileiros: esse foi o único deslize - mas isso é
característica dos divertidos;  depois, como quem escorrega no desvão de um degrau e não cai,
recompõe-se, ajeita a saia,   e continua,  brindando-nos com a devolução da agulha que não lhe
pertence.
Mas isso é de um certo legalismo, sei lá. Eu quando empresto uma agulha, preciso me concentrar
muito para não perdê-la no percurso e se - com muita sorte- consigo chegar com o troféu na mão,
uso e esqueço. Para dali uns dias, precisar de novo. Aí, pego o carro e vou comprar. Que cara
para pedir emprestado de novo,  não tenho mais.
Portanto, na minha lista de pecados existiria sempre a primeira vez: a primeira agulha, o
primeiro ôvo, a primeira colher de fermento, o primeiro saquinho de queijo. Existiria. Porque os
pecados que lembro confesso, e se sinto que precisam de restituição, restituo; mas se não sinto,
não restituo.
Ou restituo assim: mandando para a vizinha uma meia dúzia de pães de queijo. Que já pagam o ôvo
do mês de janeiro e o queijo do mês de setembro. A agulha já perdi, não tenho como pagar. Mas
fica pela espetada que de vez em quando, voluntária ou involuntariamente, ela me dá. Ela é
simplona,  me espeta na parte mais dolorida do meu ser, pisando em terreno sagrado. Depois,  vai
embora e nem desconfia. Fico eu sangrando, pagando em lágrimas,  a agulha que lhe tomei.
Mas  hoje  está sendo objeto do meu deleite uma menina linda lá das gerais.  Embora a idéia de
pecado seja um grave recorrente dentro de você. Não sei como corrigir isso assim, à distância.
Sentadas no sofá da sua casa nova, ou da minha casa velha, passearíamos pelos caminhos da
redenção e você ficaria livres deles todos.
Mas na impossibilidade da proximidade, uma idéia me veio agora: peça uma agulha emprestada para a
vizinha, já com a idéia preconcebida de não pagar: isso é pecado! Guarde essa agulha ( esse
pecado) até que a vizinha morra e você não tenha mais a possibilidade de se redimir do seu
pecado. Então, tome a agulha e fure o dedão, naquele local do bem gordinho. Deixe jorrar um
sangue grosso, bom e vermelho. Em contrição, pergunte a Deus? : "Deus esse sangue que estou
derramando agora - porque eu quis derramar - paga o preço do meu pecado pelo roubo da agulha da
vizinha?"
Eu sei como Deus responderá. Ele responderá assim:   "minha filha, nem precisava essa judiera.
Jesus já pagou por todos os pecados da humanidade, pelos seus e pelos do mundo todo, por todos
aqueles que você comete em pensamentos, palavras e obras dentro ou fora do templo e por todos
aqueles que a humanidade comete em circunstâncias apenas normais. No passado, no presente e no
futuro: a cobertura é completa."
Porque o templo é você - eu acrescento para ajudar a Deus. O templo é você e já está pronto para
uso: reclamando pouco da vida, mas se confessando "abestalhada"  com a bênção que Deus acaba de lhe conceder; ouvindo passarinhos e se deliciando com o seu canto; deixando a candura  invadir a
ponto de enxergar no cocô do dito cujo,  a bordadura num lençol;  extasiando-se com o barulho da
moto do jornaleiro e abençoando-0 com a sua imaginação; admitindo que  ama Deus e que Ele tem
cuidado de você;  confessando com essas palavras  que Ele é o seu dono e Senhor: " Deus o Senhor
é o dono do maior e do melhor coração." Essas palavras são suas!
Sem contrariar o seu falar que expressa o sentimento do seu coração,  também quero expressar o
que vai no meu:  "Deus, o Senhor é o dono do menor e do pior coração." Que se ele fosse dono só
do melhor e  do maior, eu ficaria de fora, mínima que sou. Não quero ficar de fora da posse de
Deus. Eu sou a sucata de Deus, mas não abro mão de ser Dele e nem Ele abre mão de ser meu.
Ele é nosso! Ele é do grande e do pequeno, é do maior e do menor, é de todos aqueles que com o
coração puro estão dispostos a lhe render  "sacrifícios de louvor que são o fruto de lábios que
confessam o seu nome."
Ou de dedos que  só param de escrever quando   destampam o gargalo da garrafa e liberam o
mistério. Liberado está.




Obrigada Marília, por nos possibilitar reflexões rasinhas e leves sobre um Deus que é tão diáfano
quanto a asa de uma borboleta. E que hoje - manuseado por nós duas de forma tão grosseira-
decolou feliz para vôos mais altos.
Você sente a felicidade de Deus nesta manhã? Eu sinto!
Ah, eu também te loviu!


Ana Ribas




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O TRABALHO QUE EU LHE DOU X O TRABALHO QUE ELA ME DÁ.
ANA RIBAS.


Hoje aprendi com ela: "fulana passou por mim e não deu as hora." Será hora com "h" ou ora sem


"h"?


- Mas você perguntou as horas e ela fingiu que não ouviu?
- Não.
- Então, ela estava sem relógio?
- Não seja tonta, Ana. - quase consegui fazê-la rir da minha tontice.
- Ela não me deu as hora, não me saudou na rua. A gente fala assim: "dar as hora."
- Ah...


Que ignorância a minha. Pois se ela tem um relógio no pulso- que ainda está pagando- novinho em
folha, não seria para sair por aí perguntando as horas.
O sentimento se fez fundo  porque fulana- que é da "sua igreja"  passou por ela e não deu as
hora.  Tento explicar que talvez ela não tenha dado as hora porque estava distraída, porque não a
viu. Que as vezes vemos, mas não enxergamos.
Mas ela diz que não, que fulana viu e não quis dar as hora. Que como dirigente de alguma coisa
ela tinha que dar as hora para o pobre e para o rico.
A manhã inteira ela ficou parecendo rediviva, a cada dois minutos: um minuto morta, no outro
viva. Alternando o pensamento entre o serviço da casa, e as hora que lhe foram negadas.
Faço de tudo para voltar a vê-la somente viva, mas hoje ela saí mais cedo e mais cedo, por volta
das 13 horas, dou a minha função por encerrada, esperando, encarecidamente,  que na segunda
feira, fulana tenha lhe devolvido as hora.
Nalva é assim: às vezes, ela executa o trabalho que eu lhe dou, outras vezes, tenho que executar
o trabalho que ela me dá.
Fiz o que pude.


Ana Ribas




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REDIMIDA IMPLÍCITA.
ANA RIBAS






Pois se Deus veio para os pecadores, como pensar que assumir os pecados é se perder de vez? Que
cambada de religiosos é essa que te deixou passar por batizado, crisma, primeira comunhão, sem
bater pique na mínima compreensão da criança que acende uma vela enquanto brinca? A mínima
essência, do mínimo perfume de Cristo te faria aspirar o céu aí das gerais, onde você se
encontra, com a sofreguidão da pecadora que lavou os pés de Jesus, usando o seu melhor perfume.
Mas o que fizeram estes tais religiosos seus e esses tais religiosos  meus – tudo farinha do
mesmo saco -  que te deixaram passar pensando que querer um ingresso para ver Madonna precisa ser perdoado com a mulher da enchente de Nova Orleans?
Se é possível ter ambos, e se de ambos é feita a vida – dos músculos de aço de Madonna e da
fragilidade da mulher de Nova Orleans – porque razão te deixaram nascer, crescer, e viver –
felizmente sem morrer-, com essa digressão visual que te faz assim tão debochada para o que nunca
te foi exigido?
 Quantas vezes você cruzou umbrais e portais, e entrou, e sentou, e confessou seus pecados a um
homem, e dele recebeu uma penitência, e cumpriu essa penitência, e recebeu água benta, e entrou
na fila de novo, e voltou para o banco, e do banco cruzou de volta os umbrais e os portais
atribuindo a Deus a insana ação dos homens?
Eu não quero ir para Nova Orleans e também não quero ver Madonna. Eu não quero a leveza da pipa,
porque sou feita de matéria não catologada na terra. Mas acertar na sena eu queria: queria assim
para poder comprar todos os templos religiosos do mundo e expulsar os vendilhões. Esses que nos
vendem a ilusão de uma terra santa e de um céu profano. Esses que se apossam dos templos
católicos onde os santos são de pedra, e se apossam dos templos evangélicos, onde os santos são
de barro. Esses todos de quem Jesus dirá: “ nunca vos conheci.”
Queria para poder instituir uma reforma decretando:
-fica proibido enfiar na cabeça dos homens e mulheres de Deus que Jesus veio para os que não
pecam; e dessa forma:
- fica instituido que Jesus veio para todos;
- fica instituido que ninguém precisa carregar a cruz dos seus próprios pecados, porque Jesus já
carregou;
- fica instituído que a redenção de Cristo não leva ninguém deste mundo para o outro, antes da
hora exata, mas traz a hora exata em que se encontra o mundo: a hora de reconhecer que a asa da
borboleta se esfuma no dedo, que a cintura do porco é grossa, que o homem é pó e  e que Deus é
real.
 Com ou sem pecados! E melhor “com” do que “sem”: “porque aonde abundou o pecado, superabundou a
graça."
E o Cristo que habita em mim, em resposta à sua pergunta implícita, manda dizer que sim: que Ele
ama você. De maneira explícita.


Ana Ribas




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MINHOCA COMPRANDO PICANHA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Palavras não conseguem traduzir o completo que existe na milésima partícula de um sentimento. A
cintilância não se descreve em palavras. Essa impossibilidade de descrever o de dentro, faz de
nós seres estereotipados, por fora. Todos igualmente iguais. A inteligência sempre chegando na
frente, e se impondo como máscara.
Nesta pequena cidade de 20 mil habitantes, faço um laboratório sempre que vou ao supermercado.
Que é como uma praça pública. Aos sábados, pela manhã, os homens  encontram-se em fila na secção
de carnes, numa conversa animada que os leva  a esticar o pescoço para trás e para frente- como
gansos;  as mulheres, na secção de verduras, abraçando repolhos, pepinos e tomates, trocam
amenidades - quando a vida lhes  parece amena. Caso contrário, abaixam o olhar e  com isso querem
dizer: "deixem-me em paz." Como minhocas.
Pois eu prefiro o "deixem-me em paz" da minhoca  que não encabula, à saudação delicada, estéril,
fútil, e que não diz nada.


-Oiiii!!!
-Oi!


O que pergunta esse "oiiii"!!!?  E o que responde esse outro "oi"!?


- Tudo bem?
- Tudo bem.


A convenção determina que quando alguém  pergunta se está tudo bem, o outro responda que está
tudo bem. Mesmo que esteja tudo mal. Ninguém espera que se desfie um rosário de lamentações,
quando a palavra é apenas uma forma de se mover, delicadamente, por entre o mundo dos homens. E
retornar rapidamente ao seu próprio mundo.
Exceção seja feita aos velhos e crianças. Pergunte a um velho se está tudo bem, apenas se não
estiver com pressa. Porque a resposta será da mais profunda sinceridade. Não haverá cintilâncias,
haverá reentrâncias. Você será convidado a penetrar no mundo do seu estômago, que tem apresentado
gastrite; no mundo das suas artérias, que estão entupidas pelo excesso de colesterol; no mundo
das articulações, que os fazem claudicar, enquanto passeiam pelo mercado exibindo a  realidade
que se delineia  sem palavras.
Isso é tão lindo! Sempre me comove a sinceridade do velho! Na hora em que se espera que ele seja
apenas homem,  ele é Deus!
Quando encontro um velho e tenho tempo, páro para ouvir Deus falar comigo. E Deus me fala assim:


" Tudo nesse mundo tem o selo do provisório. Seu carro é novo? Vai ficar velho. Sua casa acabou
de ser construída? Vai virar ruínas. Seu corpo está funcionando bem? A qualquer hora vai falhar."
O velho é a realidade do mundo. O velho que usa dentaduras. O velho que usa bengala. O velho que
usa chapéu. O velho que senta no banco da praça.
Anos atrás  tentei evangelizar seu Chico Patrão. Aposentado,  ele vendia os pães que a filha
produzia em casa. Frequentador do Clube da Terceira Idade, assíduo dos forrós da casa, minha
palavra sobre vida  eterna caiu no vazio. Ele me disse sem rodeios, preferir  a vida  agora.  Só
hoje escrevendo este texto, me dei conta: por onde andará o Patrão? Dado o adiantado da hora, se
vivo estiver, já lhe faltarão pernas para o forró. Boa hora para se lhe oferecer a vida eterna
que, via de regra,  ninguém recusa quando a de agora vai se esvaindo em gotas.
Esse diálogo transporta-nos de um ponto inútil para outro útil. Mas as perguntas que não cabem
respostas -  às quais sou obrigada a fazer quando passeio pelo mundo dos homens - afrontam a
minha obsessão pela  mais delicada verdade.
 Por que a pergunta, se já se sabe a resposta? Por  que se diz a uma mãe que acabou de perder o
filho: "como você está?" se já se pressente que ela não está ali, que ali está apenas o seu
espectro que veio comprar macarrão para alimentar os outros filhos da casa?
Que inútil me parece ser esse jeito de existir que nos rouba  a espontaneidade! Contudo, preciso
reconhecer: não posso chamar de hipocrisia o que é apenas naturalidade. No mundo, o abstrato se
desmancha no ar como bolha de sabão. Mas o concreto é de uma eternidade imortal.
O abstrato é como o sentimento da mãe que perdeu o filho, sentimento que evaporou para o mundo
quando escorreu para fora a última lágrima. Depois de um tempo chora-se para dentro,  e o mundo
que não vê a lágrima, pergunta inocentemente: - "como você está?" Esse tipo de pergunta só quer
ouvir uma única resposta: " estou bem, graças a Deus."
Então, preenchidos todos os formalismos, aquele que fez a pergunta vai embora feliz: ele viu o
concreto e o concreto é de uma eternidade imortal. Nunca mais lhe ocorrerá enviar uma prece ao
céu por aquele ou aquela que disse: "eu estou bem, graças a Deus", mesmo estando "mal, graças a
Deus."
Às vezes, fico tão envergonhada da minha-nossa humanidade, que suspendo a existência por uns
tempos: não vou ao mercado, peço tudo por telefone. Se me falta a picanha, sobra-me  o substrato
da realidade de que é feito o mundo. Não saio de casa.
Depois, durante a semana, como quem desperta,  vejo o céu e vejo as nuvens. E nesse ponto, a vida
recomeça.


Ana Ribas




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LIVRES PARA SEMPRE ATÉ AMANHÃ.
                    ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Às vezes, eu me descuido e clico em "incluir texto" e aí já é tarde demais. Não por falta de ter
o que incluir, mas por excesso de inclusividade. Nesta tarde, que se desenrola de uma forma tão
diferente, olho em volta e vejo que cachorros são cachorros e que eu sou gente. Mas, hoje  também
sou a árvore que vi logo pela manhã. Dei-lhe um nome: árvore-eu.
Cheguei mais cedo a um lugar, que não vou contar aonde é: não vou contar. E por ter chegado cedo,
fui a primeira a chegar. O salão estava vazio e caminhei até a porta: não havia nada para se ver,
mas  fiquei procurando.
Sei que bem procurado, Deus se revela: mais do lado de fora, do que do lado de dentro. E se Deus
se revelar para mim, à tarde, sempre incluo  um texto a mais para você. E se Ele não se revelar,
fico procurando até encontrá-lo dentro de mim.
Dentro de mim é mais fácil, mas não tem o gosto do encontro. Ser achado dentro, é diferente de
ser achado fora. Ser achado fora é assim como quando você encontra aquele amigo que vê todos os
dias, mas com o qual tem uma amizade sempre renovada em sorriso, em abraço, em cumplicidade, e em
nada.
A maior amizade é aquela que também compartilha o nada, e o nada de um amigo, que se junta ao
nada de outro amigo,  acaba por construir a realidade do mundo.
Ser achado dentro, é de uma intimidade tamanha que força a pular o preâmbulo e ir direto ao
processo de criação da não-realidade do mundo. Pronto: foi devidamente encomendado um segundo
destino que corra paralelo ao primeiro.
Eu sou uma mulher com dois destinos.
A árvore-eu: Não sei o seu nome, também não sei o meu. Sei que no céu, teremos um novo nome. Por
enquanto, os amigos me chamam Ana Maria, Ivo me chama de Ana e meu pai me chamava de Anita e
depois de Nitinha. Até que eu proibi. Hoje não proibiria mais: acho que Anita-Nitinha  foi a
única manifestação de um amor eficaz que recebi e joguei pela janela. Hoje eu seria Anita
Garibaldi, se ele assim o desejasse. Mas o que ele queria, era apenas o diminutivo, a expressão
máxima de amor das pessoas  que ficam derreadas com qualquer mínima dose de  ternura.  
A árvore-eu: Baixinha, menor do que a minha altura. Mas não tem importância, também me sinto
baixa e as vezes parece  que me faltam pés para pisar o duro solo em que me encontro.
Sendo baixinha, esparramou-se para os lados- a árvore.  Luto um pouco para não esparramar-me
para os lados. Pesava 50 kg quando casei, e agora peso 60. De puro músculo, aço e concreto.
Meu sogro, um dia, disse para o Ivo: - “essa menina não tem carnes, não?” – “É assim que eu
gosto,” ele respondeu. -Eu tinha 20 anos e, apesar da pouca idade,  já sabia que essa não era a
melhor forma de dizer "te amo." Mas aceitei porque já era tarde. Eu já comprara esse homem, e já
o levara para casa embrulhado em papel cinza chumbo. Côr de macho.
  Hoje, as metáforas ficaram mais conclusivas: "Minha S10 é velha, mas eu conheço todos os
defeitos que  tem, e sempre cuidei bem dela. Vai que eu troco esse carro velho,  e acabo me
iludindo na troca por um carro mais novo."
O que eu sei é:  carro zero, ele sabe que não vai encontrar de graça e o preço é caro. Por um
nacional vai pagar o preço de um importado. Só pelo cheiro.
Olhando nos olhos dele,  respondo: "também te amo! Isso quando estou de bom humor. Se não
estiver, digo: "vai te catar." (Quem será que inventou essa rasteiríssima expressão idiomática?)
A árvore-eu: preste atenção porque o texto se aproxima do desenlace, daquele ponto onde - ou se
escreve algo que valha a pena  ter lido ou a cobrança será inevitável: "mas perdi preciosos dois
minutos do meu dia, a troco de nada?" Espero que não seja a troco de nada.
O que vi na árvore foi assim: Plantaram-na num canteiro estreito, colado ao muro. Não é
propriamente uma árvore, e nem poderia ser, pela exiguidade do espaço que lhe ofereceram para ser
o que a  semente lhe oferecia em promessa.
 Abortaram a promessa. A semente que continha todas as possibilidades passadas, presentes e
futuras da condição de ser,  foi quase totalmente invalidada pelo pedacinho de terra dura,
calcitrada, desmineralizada.
E a árvore, coitada, fez o que pôde. Cresceu para os lados, fazendo dos seus ramos um trançado
entre galho e galho, cada um dizendo para o outro: “somos todos irmãos, não chore não!” No meio
dos galhos, a árvore respira ela mesma: seu coração pulsa exausto pelo ritmo lento que lhe
inflinge  a terra.
Pois no meio dessas impossibilidades, as flores amarelas! As flores amarelas designadas para
dizer assim: “não tenho cheiro de flor de cemitério, tenho cheiro de vida, tenho gosto de vida,
tenho amor de vida” - e esse dizer é a sua misericórdia renovada a cada manhã.
E para completar, eu vi o que faltava ver: um passarinho entrou, e logo foi seguido pela
passarinha, e ficaram os dois juntinhos, num piadinho miúdo, procurando um espaço no intricado
dos galhos para namorar, e para  fazer o ninho, e para perpetuar a vida, e para cantar entre os
escombros da humana insensatez.
Tristeza de hoje, eu vos digo: olhe para a árvore, e olhe para as flores, e olhe para os
pássaros, e olhe para o céu,  esqueça-se de mim  e permita-me deixar-te aí  entre o emaranhado de
galhos secos, aspirando o perfume da vida, enquanto eu me vou em busca de um pensamento
verdadeiramente novo.
Pronto: Estamos livres para sempre até amanhã!


Ana Ribas




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A GRITA DE ONTEM E AS CATEDRAIS HUMANAS.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






A grita de ontem foi grande. Tão grande que meu pensamento se interrompe frequentemente, como que entrecortado por um leve susto que dá e passa, que dá e passa. Não me incomoda muito o fato de
ser ou não ser compreendida, mas incomoda-me profundamente que as minhas palavras possam estar
desenhando uma imagem que não corresponda ao caráter de Deus.
Moisés, por representar mal o caráter de Deus não entrou na Terra Prometida, embora com lágrimas
tenha buscado fazê-lo. Não quero ser impedida de entrar na terra. Nessa terra que é o céu. Então,
para concluir de vez o que já se instalou, e para corrigir quaisquer eventuais falhas que eu
possa ter apresentado, ao narrar a minha experiência com Deus, quero responder a alguns
questionamentos que foram levantados.
A Bíblia afirma em Romanos 8:28 que “todas as coisas conjuntamente cooperam para o bem daqueles
que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” Eu creio nisso. Creio também que “todas as  coisas “ quer dizer exatamente isso o que quer dizer: “ todas as coisas.” Observem que essa expressão está sendo modificada pelo advérbio “conjuntamente”.
A nossa dificuldade decorre do fato de que, do ângulo em que nos encontramos, nesta vida, não
conseguimos observar “todas as coisas conjuntamente”. Pensamos estar vendo todas as coisas e
ainda que estivéssemos, - e não estamos - não conseguiríamos fazê-lo conjuntamente, isto é, vendo
passado, presente e futuro de maneira simultânea, tendo uma única seta como direcionamento do
nosso percurso.
 Deus não é tão óbvio e os seus designios são inescrutáveis. Quem tiver dúvida disso, que leia o
Salmo 139 da Bíblia Evangélica e 138 da Católica Romana. Para complicar, surge  mais essa
questão: temos nós duas bíblias?
O homem tem o péssimo costume de querer todas as suas perguntas respondidas agora. Ele quer,
porque foi contemplado com a faculdade de pensar e - porque pensa,- sente-se no direito de exigir
que nenhum caminho lhe seja excessivamente misterioso. Um pouco, pode. Desde que não afronte a
sua dignidade de homus erectus.
 Sinto muito: Deus não responderá de maneira objetiva, a nenhum dos nossos elaborados
questionamentos. Deus é simples demais para responder a tantas perguntas complexas. Vivemos o
presente e conhecemos parcialmente o passado. Do futuro, nada sabemos. E enquanto nascemos,
crescemos, vivemos, e morremos fazendo tantas perguntas, Deus apenas é.
Humanamente falando, nós somos – em essência-  uma grande pergunta e essa grande pergunta faz de nós seres sem uma grande resposta. Somos os porta vozes de uma ignorância eterna. E às vezes, eume pergunto, só para mais me perguntar: será que o cego sabe que não enxerga? Para o cego o que é “não enxergar"?
O enigma que parece ser eterno é este: por que nos foi dado  a potencialidade da grandeza de
Deus, a nós que não comportamos sequer a magnitude de homens?
Com a medida de fé que foi dada a cada um – mas eu tenho a minha – com essa pequena medida de fé,
eu busco viver. Um dia, eu cuidei apenas de não ser o  náufrago que recusava a corda; em outro
dia, para o invisível me lancei, enquanto me perguntava em que degrau, na escada de Jacó, Deus
estaria estendendo para  mim, a sua grande mão.  Por essa escada, - que simboliza Cristo vindo em
busca da humanidade perdida, - por essa escada,  cada homem e mulher pode facilitar ou dificultar
a mão estendida de Deus, em sua direção. E escolher recolher a própria mão, caso assim o deseje.
 Isso é o que importa agora: não dificultar o trabalho do Senhor, um trabalho tão minucioso
quanto o de um artesão que se debruça sobre a sua obra.  Quando adentrarmos a eternidade, veremos
como Ele fez esse trabalho de maneira solitária, e como esse trabalho lhe foi grandemente penoso,
 pelo nosso excessivo perguntar. Nesse dia – que não será dia, porque será eternidade e
eternidade não tem dia -  Romanos 8:28 fará todo sentido para nós como já faz, agora,  para Ele.
 Até lá, a moça da cor de azeviche e grandes olhos negros terá que confiar que antes que a
despensa esvazie a providência de Deus virá, como veio para a viúva de Sarepta, que teve o azeite
multiplicado nas vasilhas, por obra e graça do Criador.
 Até lá, eu irei aonde Deus me enviar e falarei aonde Ele permitir. E se Ele não permitir,
ficarei calada. Bem pode ser que me queira sentada no sofá, em minha casa, ministrando a pessoas
que jamais cruzariam os umbrais e os portais da religião. Ora, se não! Nós gostamos muito de
púlpítos, mas Deus ama as catedrais humanas, feitas do pó da terra, de maneira irregular e
misteriosa, como parece ter sido feita a catedral da Sagrada Família, pelas mãos do arquiteto
catalão Antonio Gaudí, cuja inspiração talvez tenha sido a lembrança de que o pó  é templo do
Espírito Santo de Deus.
O texto que liberei ontem aponta para Deus e seu trabalho de escrever parábolas, enquanto
constrói a nossa história. Leitores atentos, verão que a ênfase da narrativa  está no fato de que
Deus ainda fala na terra. Antes que acontecesse, Ele falou que aconteceria. Isso não é tremendo?
Tudo o mais é circunstancial. Mas há pessoas  que diante de um lindo quadro de Cervantes,
preferem se fixar no focinho do cavalo. E o focinho do cavalo tem uma baba grossa. Meus queridos!
 A boa notícia que me encoraja a prosseguir, como sugeriu Tristão de Alegrette é esta: Deus
interage conosco  na terra.  A galáxia em que Deus habita não está tão distante da nossa, a ponto
de que Ele não possa debruçar-se, dar uma espiadinha básica, e decidir que algo possa ser
melhorado.  Que, para nós, pode  até parecer ter piorado.
De que jeito, enfim,  Deus quer que eu faça o que ele deseja que seja feito? Pode-se ensinar,
calando. Pode-se aprender, apenas observando. Pode-se ser mais útil para Deus, longe dos
púlpitos, do que pertencendo aos portais da religiosidade. Eu já vivi o suficiente para saber das
coisas todas que sei, acerca do mundo religioso. Sem mágoas.
No meio de tantas possibilidades que se vislumbram de maneira apenas sutil, Deus é a sutileza que
compõe uma parábola a cada dia.
E quem tiver   olhos que veja.  E quem tiver ouvidos que ouça!


* A foto é da igreja Sagrada Família em Barcelona, Espanha.


Ana Ribas




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EU ONTEM FUI DEMITIDA.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






O corpo produz seus próprios medicamentos e Jesus ainda fala na terra, por parábolas. Duas
afirmações aparentemente antagônicas, mas que na minha experiência de ontem - e de toda uma vida
- parecem ter algo a ver. Ou não?
O corpo produz seus próprios medicamentos quando permitimos que ele funcione de maneira adequada,
quando não o sobrecarregamos com toxinas nocivas, quando comemos com sabedoria, e fazemos
escolhas saudáveis à mesa. É simples assim.
Perguntaram-me se faço uso de  Emedeen, um medicamento importado que não conheço bem,  mas sei
que é um repositor de vitaminas e sais minerais.  Eu disse que faço uso de frutas, legumes e
grãos integrais.
Como também ( do verbo comer) as outras coisas que gostamos tanto, e que não fazem parte da lista
que citei acima: um pouco de cada coisa,  com equilíbrio. Todos os dias escolho frutas e legumes
de várias cores, preferencialmente aqueles que não gosto, e jogo tudo na centrífuga: faço um suco
e tomo, sem sentir o sabor - tomo como remédio. O que gosto, saboreio, devagar, aos pedaços. Com
isso, dou ao corpo a chance de ser mais saudável, mas caso adoeça, certamente, ele produzirá seus
próprios medicamentos. Assim, muitas vezes, uma doença incipiente é debelada e nós nem sabemos
que o foi.
Jesus ainda fala na terra, por parábolas. Ontem ele falou comigo.
 São dois núcleos bem distintos esse que me propus trazer hoje, como tema do dia,  e não faço a
menor idéia de como vai terminar, a não ser pela exclusão: o corpo, bem tratado,  responde com
saúde, e nos traz a sensação de bem estar;  Jesus, para falar na terra, nos faz passar situações
às quais  reagimos  com perplexidade,  mas que precisamos engolir. Como a vitamina insonsa de
cada dia. Que no final reverte em saúde para nós.
Reitero, porém que é uma perplexidade apenas inicial, que depois vai abrandando, abrandando, até
ceder lugar à aceitação total. Da forma como o corpo aceita a vitamina, o espírito aceita o
arranjo soberano de Deus.
Mas que poder tem esse brado repentino que nos advém na metade do caminho!  Ontem, eu estava indo
para o lado que vou sempre, todas as terças feiras à noite.
Imbuída daquela que pensava ser a minha missão de toda terça feira à noite, eu levava convidados
comigo. Raramente levo convidados. Mas, por uma dessas ironias finas, ontem,  levei. Eu disse a
eles: “hoje vocês vão me ouvir pregar.” Será que disse com algum orgulho? Não sei!
Eu só sei que não se levam convidados para a casa alheia, pensando que a  casa é sua,  mesmo que
essa casa seja chamada a casa de Deus. Também descobri  que nem sempre o que se pensa estar
fazendo- de bem - para os homens está no centro da vontade de Deus.
Na verdade, não foi ontem que  Deus  falou comigo por parábolas: a parábola veio antes, uns
quinze dias antes.
 Naquele dia, a moça de cor azeviche e grandes olhos negros, disse-nos assim:
 - "Jesus ainda fala por parábolas. Eu estava trabalhando em tal lugar. Senti que não era para
ficar mais ali, e pedi as minhas contas"- ela contava a uma platéia atenta, de mais ou menos 20
pessoas. - " Em seguida, arrumei outro trabalho. Fui contratada para trabalhar em outro lugar, e
um mês depois, mandaram-me embora. Mas eu tenho certeza de que Jesus estava tanto no meu pedido de demissão voluntária, como na minha demissão involuntária. Eu sei que isso que aconteceu
comigo, é Jesus falando em  parábolas.  A comida da minha despensa está acabando, mas eu estou
esperando Jesus concluir a parábola que ele escreveu para mim.  Eu sei que a parábola ainda não
acabou" - em lágrimas, ela encerrou a sua fala!
Ficamos todos gravemente atentos: Era um grave falar para todos nós! A consciência do divino tão
próxima, nos manteve por alguns momentos, reverentemente mudos e silenciosos.
Não sei quantos receberam o falar de Deus, de uma maneira pessoal, mas eu sabia que Deus havia
acabado de falar pessoalmente  comigo. Eu sabia desse jeito que sabe tendo  certeza,  mas ainda
espera que não, que talvez tenha sido só um presságio, algo que viera de mim e não dEle.
Passei parte da noite meditando, orando, pedindo confirmação: eu tinha três pontos de pregação e
Deus estava mandando que eu entregasse o primeiro.
 No dia seguinte, capitulei e  fiz o que precisava ser feito: entreguei aquele ponto de pregação.
Que não era meu e para o qual eu havia sido apenas convidada "por uns tempos." E o tempo se
passara e eu até tentara devolver, mas disseram-me que não, que ficasse mais. E mais eu fui
ficando. Até que naquela noite, a cintilância de Deus, somada a outros acontecimentos que eu já
pressentira- porque o Espírito de Deus revela- fizeram-me "pedir demissão" a quem de direito.
Que foi aceita no ato. Bingo: a parte hum da parábola se cumprira!
Mas a parte dois se previa tão dolorosa: ser demitida! Preferi ignorar. Prosseguí,  fazendo o que
fazia sempre: pregando todas as terças feiras a noite, em outro local!
Ontem, terça feira, quando me dirigia para esse local, como faço todas as terças feiras, há cerca
de 4 meses, fui demitida. A parte dois da parábola cumpriu-se.
Não fui demitida da maneira tradicional,  mas dessa maneira misteriosa que nos faz ver o
invisível e em vendo, "enfiar a viola no saco e ir cantar em outro lugar."
Quando cheguei alí, (com os meus convidados!)  descobri que havia outro pregador ( de outra
cidade ),  para ocupar a tribuna. Que não é minha, mas que toda terça feira, estava sendo minha.
Esqueceram de me avisar. Um telefonema bastaria, mas esqueceram de telefonar. Na verdade, Deus
fez com que esquecessem, porque se  telefonassem, eu permaneceria “ad eternum” aonde Deus não
queria que eu permanecesse mais. É simples assim.
Quando cheguei ali, vi algo de diferente no ar: a congregação estava em festa. Muitos carros,
muitos convidados, muita divulgação: diferente do que acontece todas as terças feira, quando a
frequência é apenas regular. Santo de casa nunca fez milagres!
Quando cheguei ali,  também  pensei: “tudo isso para mim?” Foi o “raciocínio” do burro que
conduziu Jesus pelas ruas de Jerusalém ao ouvir a aclamação do povo. A aclamação era para Jesus,
mas que importante sentiu-se o burrico, com toda aquela gente que, repentinamente, o rodeara.  
Eu fui a burrica da noite.
Quando cheguei ali,  o constrangimento foi recíproco: da parte deles e da minha também. Mas a
humilhação involuntária faz parte do processo de Deus para nos tornar mais semelhantes a seu
Filho. Eu teria que ser demitida e nunca se ouviu dizer que demissão fosse algo glorioso.
Assisti ao culto, sentada no meio do povo,  e Deus ainda deixou a sua assinatura em um  detalhe:
um dos irmãos que usou a tribuna,  leu exatamente o texto que eu iria pregar em Isaias 40-  "Mas
os que esperam no Senhor, renovarão as suas forças. Subirão com asas como águias; correrão e não
se cansarão, caminharão e não se fatigarão."
Só eu sabia que essa seria a Palavra da noite. Que para mim, continuou sendo a Palavra da noite.
Se o culto terminasse ali, eu já estaria alimentada.
O que isso quer dizer? Quer dizer assim: “Filha, eu, o teu Deus,  sou o único responsável por
tudo!"
 Nesta semana, no mundo, quantos trabalhadores estão sendo demitidos? Eu sou um deles!  A
sensação é ruim, o "ego" esperneia. Não fomos programados para a diminuição moral.  Seja no
trabalho secular, seja no trabalho espiritual.
Como na parábola, minha despensa moral está vazia:  que sensação desagradável quando nos jogam
num canto qualquer, como um sapato velho.
Mas a  despensa espiritual está cheia, abarrotada. Como vou distribuir esse alimento, é tarefa
que não me compete nem sequer arrazoar. O que mais me resta  fazer a não ser aguardar, confiar,
viver e descansar? Ele é Deus!
A parte mais difícil talvez seja essa: esperar que Ele escreva o que faltou na parábola. Isso
exige fé. E fé é matéria de que sou feita na íntegra. Quase na íntegra.
Quando cheguei ali, estava feliz, desse feliz acostumado a uma regrada felicidade. Quando saí
dali, estava triste, desse triste acostumado a uma regrada tristeza.
Mas a noite passou e o dia amanheceu. O corpo produz seus próprios medicamentos e nesta manhã,
parece estar saudável. Creio que, por estar bem nutrido,  vai continuar produzindo as endorfinas
que preciso para vencer este dia. Um dia de cada vez, essa é a minha máxima de vida. Com uma boa
dose de imunidade contra as gripes e contra as glórias da humanidade. Deus me protege de ambas.
Jesus ainda fala na terra e já arrisco uns exercícios de previsão de como a parábola vai
terminar. Só tenho uma dúvida: de que jeito  vai começar aquilo que Jesus precisa terminar?
Essa dúvida já é a fé em exercício.


Ana Ribas




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MÃE É AQUELA QUE TE PARIU.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






Ela toda se oferece para ser minha filha, mas com as minhas atitudes eu lhe digo, sem nada dizer:
“você  não é minha filha.”
Se parentesco fosse casa, digamos que ela teria nascido poucas casas distante da minha, apenas o
suficiente para que a maternidade não me fosse atribuída. Mesmo sabendo  que não nasceu filha -
dessa que gostaria que lhe fosse mãe, - pensa  como se fosse,  mas eu nunca incentivei esse
pensamento. Nem mesmo quando morou comigo, depois de moça, durante um breve tempo.   Mantive a devida distância, uma distância excludente de qualquer vestígio de maternidade, ainda que tenha
por ela um sentimento muito próximo de mãe. Que ela nem pode desconfiar que existe, porque se
desconfiar, já serei para sempre: “mamãe”!
 Ela tem mãe: essa explicação deve bastar para justificar o meu distanciamento. Ou não?
Se você ainda não sabe,  essa seara de mãe e filha é muito sagrada para ser pisoteada, invadida e
até mesmo pisada, por uma terceira pessoa. Eu não me atrevo.
Sei disso, porque houve uma época da minha vida, em que fui roubada de dois, dos meus três
filhos. E eu bem que merecí, distraída que estava. Para tê-los de volta, deu-me muito trabalho.
É incrível como as pessoas têm vocação para se apossar dos filhos dos outros, mesmo tendo aqueles
que lhes nasceram das próprias entranhas. Um vacilo, e tomam-nos os filhos. E se apossam dos
sentimentos deles. E lhes dão o de melhor, em termos de amor gratuito,  porque lhes falta o
compromisso com a educação e  com a verdade. Para os pais biológicos resta a realidade:  educar
com rigor, fidelidade e, quando necessário, alguma dose de reverbério.
Reverbério: palavra bonita que não deve ser confundida com impropério. Reverbério é: “repreensão
severa, carraspana.” Procurei no dicionário.
Por tais motivos, recuso o papel de mãe dos filhos que Deus não me deu. Sou amiga, conselheira,
confidente, mas não sou mãe. Mãe é aquela que te pariu: deixo isso bem claro.
Ela tem mãe. Mas convenhamos: que mãe, a coitada tem! Uma mãe que passa para a filha todo o peso
do mundo. Do mundo todo.
O mundo tem um peso, que deve estar equanimamente distribuído sobre cada ser pensante do planeta
terra, sobre cada família do mundo. Assim que o filho cresce, ele sozinho, já entra no exercício
da parte que lhe pertence. Apenas a parte que lhe pertence. É assim que deve ser.
Mas essa mãe tomou para si o peso do mundo todo, e de quando em quando, as toneladas a mais lhe
causam um chilique desabonador e inconveniente. Ela chora, grita, transpira,  exige que a filha
concentre-se  nessa protopatia anunciada: Síndrome do Pânico, diriam os médicos.
Síndrome de uma Vida Assustada, diria eu.
Que é a Síndrome do Pânico? É assim: !!!!!
 Faltam-me palavras, mas ainda disponho desses caracteres. Não, nunca tive síndrome do pânico.
Meu prontuário médico nunca recebeu do CID – Código Internacional de Doenças – o número que
corresponda a essa patologia. Graças a Deus!
 Mas, eu sei direitinho o que é: SDP é gravidade, solenidade, pavor, reverência, medo,
desiquilíbrio e susto  que advém da condição incurável de existir como ser pensante, em um
universo desconhecido.
É a súbita lucidez que  sobrevêm ao ser humano no meio dessa condição extremamente desamparada.
Eu acho essa síndrome muito útil. Deveria existir o dia Nacional da Síndrome do Pânico e em
seguida, o Dia Nacional da Evangelização do Mundo para Cristo. Eu creio que o veneno traria a
cura. Ou que a cura viria pelo veneno.
Se eu não tivesse experiências com Deus, se eu não tivesse uma visão vetorial – com reta bem
definida em grandeza, direção e sentido -, com certeza, eu também  seria uma
monofóbica-claustrofóbica planetária de grande magnitude.
 Que a coisa, nua e crua, é exatamente esta: nascemos de maneira brusca, e vivemos de maneira
solitária, presos num planeta orbicular, por um tênue fio que nos prende ao nada, sem saber aonde
iremos parar, até em quando a morte nos leve.  Não é? Ora, se não!
(Graças a Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo! A luz no fim do túnel!)  
Ela tem essa mãe que sabe disso, e nessa vida não entra o parênteses libertador. Ela não
experimenta a existência de Deus, conhece vagamente Jesus, e nunca provou da presença do Espírito
Santo consolador.  Digamos que  -como tantos- apenas pressinta vagamente a Trindade Divina  e
esse vago pressentir de Deus, aliado ao extremo sentimento de desamparo, seja o elemento
catalizador  dessa loucura aguda. Que como uma tempestade, vem e passa! No rastro a destruição:
coisa muito triste para qualquer pessoa presenciar, e mais ainda,  para uma filha suportar.
E tudo começou tão repentinamente! Viver sem sobressaltos foi o seu vício até pouco tempo - e
tudo lhe ia bem- até que, um dia, essa  súbita lucidez lhe adveio do nada, como  uma possessão
demoníaca involuntária.
Um demônio seria uma personalidade a mais em seu ser; coisinha simples de se resolver:
expulsando-se em nome de Jesus, ele teria que sair. Mas a síndrome do pânico é ela mesma
multifacetada, em pleno exercício da difícil tarefa de ser ela mesma, multifacetada: uma louca
lucidez!
Falta-lhe Deus e só Deus poderia salvá-la dessa falta de Deus - se ela assim o desejasse.
Paradoxalmente, essa mulher que  não se aproxima de Deus- e que parece afastar-se dele cada vez
mais, - é a mãe que Deus deu a essa filha:  há  pais que nasceram para os filhos e há filhos que
nasceram para os pais. Que nascidos todos somos e ajudados todos precisamos ser.  
Eu nasci para ajudar e ser ajudada.  Pelos meus próprios filhos. E, sem invasão, recebo e ofereço
ajuda para alguns outros, nos momentos de maior precisão, quando Deus me orienta a fazê-lo.
 Nesta vida, até para ajudar os filhos de Deus,  há que se ter a direção de Deus.


Ana Ribas




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EXTREMA DECISÃO.
ANA MARIA RIBAS BERNARDELLI.






 "Eu só sei que existe um Criador" - ele me disse, com voz muito fraquinha,  olhando contrito
para a frente.
- "É pouco" - eu respondi, dando a volta no leito,  para olhar diretamente em seus olhos. - "Para
nascer, você precisou de um Criador, mas para morrer você precisa de um Salvador. Se não tiver,
lascou-se."
A minha impiedade foi tamanha que me assombrei com a coragem súbita. O moribundo fitou-me sem
mágoa e mordeu a isca: - "como se faz para ter um Salvador?" - perguntou-me.
Li para ele Romanos 10:8-10 -  "A palavra está junto de ti, está na tua boca e no teu coração,
isto é, a palavra da fé que pregamos. Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor, e em teu
coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Pois com o coração se crê
para a justiça e com a boca se faz confissão para a salvação."
Ele gostou da idéia e confessou sem rodeios. O fio de voz até engrossou. Como um rio caudaloso se
joga na cachoeira, ele se jogou, antes do mergulho que lhe era inevitável.
Tão fácil e tão necessitado estava. O meu trabalho acabara.
Os familiares não gostaram:  pois se estiveram o tempo todo evitando a mais leve menção à
indesejada de todas as gentes, de repente vinha uma estranha, com a Bíblia na mão, e declarava
para o doente o que o consenso geral determinara esconder.
O doente já sabia, todo mundo já sabia. Já nascemos sabendo.
Uma semana depois, o que todo mundo já sabia, aconteceu: o doente morreu.
Mas os anseios de liberdade também se manifestam na morte.
Libertados dos cuidados, da  realidade ameaçadora,  todo mundo foi: cada um para o seu fazer
sempre renovado, nesse consenso libertário de que a morte não existe. A morte é apenas uma dura
sombra que  persegue, mas jamais alcança.
Na memória, guardei o rosto magro, as mãos ossudas e algo que não sei descrever na meia escuridão
daquele olhar assustado.  Mas na eternidade, espero que não nos reconheçamos nessa carne que nos
nivela por baixo. Que  tudo seja novo. E que ainda assim possamos  nos abraçar e dizer, sem
sombra de equívoco: que bom que você chegou aqui!
Aqui  somos tão iguais. Lá seremos de um igual diferente.


Ana Ribas




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ESCREVO E NÃO ASSINO.






 Na juventude, as amigas me pediam para escrever cartas de amor. Eu escrevia as cartas, e elas
ficavam com os amores, que, depois da minha carta- dá licença? - as amavam ainda mais.
 Como o negócio dava certo, elas voltavam: Mais cartas. E mais amor. E eu sempre na coxia,
observando de longe o amor -que era meu em palavras, - materializar-se em vida, para elas.
 Depois, como quem vai à costureira encomendar um vestido,  passaram-me a encomendar discursos:
orador da turma. Eu dava o sangue para escrever o discurso, e o orador, além de não dar nada,
ficava com os aplausos. Bem, justiça seja feita, ele enfrentava o microfone, e eu era toda
tímida.
Os anos foram passando, e eu sempre escrevinhando. Casei-me e  o Ivo admitiu-se em um clube de
serviço. E eu, distraidamente, fui, com ele. Aí danou-se de vez: Tornei-me escrevente exclusiva
de homenageadas, a serviço de homenageantes. Que repartiam entre si os louvores.
Até o dia em que me pediram para homenagear uma pessoa, cujo texto se me tornou quase impossível
de nascer: veio em dores de parto, daquelas bem cruciais, como um filho arrancado a fórceps. Não
via na cidadã em questão, nada que merecesse ser alvo de uma homenagem. Mas tinha que fazê-lo,
porque convencionara-se ser essa a minha função: escriba a serviço do útil e do fútil. Mais do
fútil, do que do útil.
Minha velha Remigton estava no auge. E o cesto de lixo muito em moda; era uma moda necessária.
Depois de uma tarde inteira de tentativas, o cesto de lixo abarrotado, esparramando pelo chão,
com certa indignação, resolvi que, ao levantar-me daquela cadeira, também me levantaria com o
pedido de afastamento definitivo, irrevogável e peremptório. Sem volta. Foi o que fiz até a data
de hoje.
Nunca me livrei das mazelas de ter que escrever o que não quero, o que não gosto, o que não estou
a fim, o que não me diz respeito. Muito raramente, digo não; quando abusam demais, ou quando não
degluto o tema, seja por desconhecimento, ou por discordância.
 Tenho em meu computador uma pasta repleta de textos encomendados, desde cartas de amor, de
despedida, de assunção de chefia, de remissão de chefia, de protesto, de artigos para jornal, até
“defesa de processos” administrativos internos, que nunca me disseram respeito, mas que, acabo
assumindo na função de ajudar: -“é só umas poucas linhas,” dizem-me.
Para escrever essas poucas linhas, tenho que me inteirar da história, e como uma história puxa
outra, depois vem a réplica, e em seguida, a tréplica.
 Da última vez, a interessada foi convocada a comparecer a uma reunião, levando o advogado: que
era eu! Tenho essa facilidade de encarar a linguagem que o momento pede. Tenho porque é dom de
Deus. E por ser dom de Deus, só não tenho sido advogada do diabo. De resto, quase sempre aceito a
função. Essa função estritamente solitária, cansativa e sem nenhum reconhecimento público, nem
mesmo do interessado. Quando pegam da minha mão o texto pronto, ninguém imagina a chateação e o trabalho que me deu.  Ou não! Tudo depende do tempo, do assunto, do momento, e da
disponibilidade. Já me vi escrevendo texto às 23 horas, porque no outro dia, às 8 horas da manhã,
o interessado teria uma posse. E não seria por falta de discurso que o amigo não tomaria posse.
Escrevi.
No Antigo Testamento, haviam os escribas. Graças a eles, a Bíblia chegou até nós. Escrever é uma
função altamente relevante e necessária. Os advogados deveriam saber escrever bem, e alguns não
sabem. Perdem-se causas praticamente ganhas, por falta de argumentos e de fundamentação jurídica.
Muito mais por falta de argumentos, do que de fundamentação jurídica.
Mas eu não sou advogada. Comecei e desisti. Amassei o tigre de papel que ameaçava a minha
gratuidade literária com um só movimento, quando virei as costas para o curso – que pena!-  na
metade do segundo ano: era muita lei para mim. Fui para o curso de História. Mas não fiquei livre
dos papéis e da burocracia. E, por incrível que pareça, já me surpreendi buscando nos meus velhos
livros de direito, as palavras que me faltaram na “defesa” das causas alheias.
Escrevo, e não assino,  mas sob protesto. Se não houver outro jeito, tudo bem: continuarei
escrevendo e não assinando,  porque se Deus deu-me o dom de escrever, - dando a mim e não a
outros- , não seria para que eu escrevesse por aquele outro- que não recebeu o dom que Ele deu,
de graça, para mim?
Na dúvida, e sabendo que Deus é fino, não quero correr o risco de perder a bênção:  Escrevo sim!
 O meu ofício é escrever: como o tempo escreve na árvore, e não assina o nome, eu escrevo, e faço
de conta que não escrevi. Só reclamo um pouco, mas Deus perdoa.




* Foto de Maria Costa - Lisboa - Portugal.


Ana Ribas




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