quinta-feira, 21 de maio de 2009

Coisas que perderam o valor mas não a utilidade

Existem coisas que perdem o valor mas não a utilidade. São resquícios de um mundo em constante mutação. Nem percebemos que o mundo muda, e que, certas mudanças afrontam a nossa inteligência: como éramos tão resumidos? e tão crédulos? e tão conformados? e tão provincianos? e tão primitivos? e tão desprovidos de exigências? e tão passivos? e tão telúricos? Essa última palavra nem cabe na resumição mas ficou linda, você não acha? Pode usar nos seus próximos textos. É minha desde a juventude, mas eu empresto para você. De preferência cite a fonte.Éramos resumidos, crédulos, primitivos, provincianos, passivos, desprovidos de exigências, conformados e telúricos mas não vou voltar tão lá no passado, na era das cavernas, a ponto de cair na armadilha da teoria da evolução das espécies. Nada que passe pelo binômio homem x macaco. Deus me livre da teoria da evolução das espécies - totalmente equivocada! Se o homem tivesse vindo diretamente do macaco, por que ainda existem macacos que não vieram? Por que preferiram ficar lá? Ah, sei lá, viu... Ivo me explica que não é assim que funciona. Mas para mim é. Ponto final! Eu acho que com ela matei Darwin. Os macacos que não evoluiram, que preferiram continuar macaqueando, perderam o valor, mas não a utilidade. O que seria do passeio de nossas crianças ao zoológico, se não houvessem os macacos? Macacos são úteis embora tenham perdido o valor e o respeito dos humanos, daqueles que um dia foram. Tudo o que fica para trás perde o valor, mas não necessariamente a utilidade. Não vou conseguir prosseguir o raciocínio, enquanto não disser uma coisa que nem cabe aqui, mas o meu sentimento de proteção aos animais manda dizer: O macaco é bonzinho, ele merece respeito. Tenho horror a que judiem do macaco. Já basta aquela gaiolada toda e aquele olhares curiosos. Por mim, todos os macacos seriam livres, cidadãos brasileiros com RG, CPF e direito a votar no PT. Tudo bem, vamos ao que interessa: Coisas que perderam o valor, mas não a utilidade! O telefone. Sim, o telefone. Daqueles enormes, pretão, que mais parecia um urubu de cócoras. Tão chic ter um urubu de cócoras, na sala principal da casa. O urubu chegou aqui, nestes rincões do Paraná, quase no final da década de 70. Um urubu que falava. De vez em quando, e só no local. Interurbano esparodicamente. Eu cheguei do trabalho, uma certa manhã inesquecível, e lá estava a surpresa: um urubu no canto esquerdo da sala, ao lado do sofá da Laffer. É! Era da Laffer e fui eu quem comprei. Porque o Ivo tinha comprado um sofá meia boca quando nos casamos, e eu me livrei daquilo no segundo mês, pagando o da Laffer a prestações. Tão caro me era para o meu salário minguado de professora! Mas Ivo não abriu mão: disse que já tínhamos um sofá, e que se eu não quisesse aquele, que pagasse pelo outro. Paguei! Mas, voltemos ao telefone! Às coisas que perderam o valor e não perderam utilidade. A tecnologia da comunicação estava chegando. Finalmente, eu poderia ligar para a vizinha e dizer : oi vizinha! Sem que eu precisasse gritar: Ôooo vizinha! Ivo estava me esperando no portão, e tinha a gravidade do homem que acaba de casar e desempenha o seu papel. Um homem provedor. Sempre pioneiro no contemplar a família com coisas que perderiam o valor mas não a utilidade. Um bom homem, cioso dos seus deveres. Para que a vizinha não viesse dizer à sua mulher: - "lá em casa já chegou"; e para que a mulher não lhe voltasse a pergunta, ligeiramente modificada - "aqui não vai chegar não?" Porque isso significaria dizer: "você não é um bom marido. Um bom marido coloca um telefone em casa." E Ivo sempre foi um bom... não... um ótimo marido. Por isso, o telefone em casa chegou primeiro do que na casa da vizinha.Pois chegou e custou caro. Ele dizia: "o que é caro é a linha, não o aparelho." Eu não entendia como uma linha podia ser cara. Talvez fosse uma linha diferente das linhas que eu usava para fazer tricô. Mas se ele dizia que era caro, eu acreditava. Porque era mesmo. A tal ponto de termos que nos programar: primeiro, adquirimos um telefone e depois trocamos o carro. A troca do carro podia esperar. Tão bom ter um telefone em casa, pela primeira vez. Tão bom poder ouvir o primeiro trimmmm estridente e dizer suavemente: alô! Tanta era a emoção que me dominaria no momento do primeiro alô. E depois me sentar ao sofá, cruzar as pernas e gozar enfim, aquele instante redondo e acabado: eu tinha um marido, e ele tinha uma esposa e tínhamos um carro, uma casa, um sofá e um telefone. E um bebê: a Sandra! Toda emocionada eu esperava que a emoção passasse e que o telefone tocasse. E nada do telefone tocar! Eu disse a ele, meio envergonhada: "vá lá no hospital e liga aqui em casa?" E ele foi! E depois ele voltou, e nos sentamos na sala. Nos entreolhamos suavemente, e aquele olhar dizia tudo: somos uma família, temos o nosso primeiro telefone, e você cumpre tão bem o seu dever de me dar o direito de dizer: "alô, quem fala?" e eu cumpro tão bem o meu direito de te olhar com tanto amor e admiração. Eu que era pobre de marré de si. Eu tinha, enfim, um telefone. Coisas que perderam o valor mas não a utilidade: Ações da Pasquim. Todas as famílias da época investiam em ações. E também da Crush. E também da GBOEX. Perderam o valor, mas e a utilidade? A utilidade é nos fazer lembrar a nossa burrice, comprando papéis que levaram o nosso dinheiro e nos deram nada. É uma ótima utilidade. Nunca mais fizemos investimentos de risco. Mais coisas que perderam o valor mas não a utilidade: o Fiat 147 -1979 que ele deu de presente para uma tia. Não que ele desse carros, assim, a qualquer tia. Essa era especial. Foi a tia que o criou e o adotou como filho, ele que era o primeiro numa lista de 14. Salvou-se da primogenitura e ganhou a tia para o resto da vida. E a tia ganhou o carro. Que voltou para ele, quando ela morreu. Que ele não vende, não doa, não empresta e gasta os tubos incrementando, polindo, cerzindo, enfrescurando. A última frescura é um ar condicionado que ele quer colocar. E que eu deixo porque sou boazinha. Felizmente, o instalador o convenceu de que o motor não iria aguentar e assim eu posso ser boazinha.Porque mulher não entende esse negócio de gastar -mais ainda! - com coisas que não tem valor, só tem utilidade. Uma utilidade duvidosa, porque só ele usa o carro. Outro dia, eu disse à Silvia: "Silvia, filha, vá ao mercado buscar alface para mim?" Ela respondeu: - "vou!" E não foi! Só havia o Fiat 147 na garagem. - Nem morta - foi a última palavra dela. Mas num dia de chuva, sendo a última das últimas soluções, fez uso do nobre veículo, embora sentada no banco do passageiro, com os vidros bem fechados. E braba! Jovem tem dessas coisas: não distingue relíquia de velharia. O nosso Fiat é uma relíquia. Que não tem lá grande valor, mas tem utilidade. Não adianta querer comprar que ele não vende. Ele diz assim mesmo: "não tem preço!"Coisas que perderam o valor mas não perderam a utilidade: Um aparelho de som estereofônico da Philips. Nossa, como custou caro. E a utilidade? Ouvir os discos de bolacha vinil do Moacir Franco. Acredita que o Ivo me faz ter essa paraphernália dentro de casa? Bem escondida, diga-se de passagem. Abre-se a sala de cobertura- um chapéu redondo- no último andar, bem no centro da casa ( que eu acho de muito mal gosto, mas na época,foi escolha minha), abre-se essa sala, depois abre-se a porta de um armário e lá está a salvo dos ladrões e da minha vista, o aparelho de som estereofônico. Essa palavra estereofônico sempre me lembra a doença da estereofonia. É grave! E a enciclopédia Barsa? A coisa era tão chic, mas tão chic, que o vendedor não era assim um vendedorzinho qualquer. Ele passava marcando hora nas casas, para ser recebido posteriormente, porque não tinha tempo a perder. E depois ele vinha, e nem insistia. Comprasse quem quisesse, quem tivesse cultura para valorizar o investimento na educação dos filhos. A Barsa perdeu o valor mas, pelo menos aqui em casa, não perdeu a utilidade. Qual a utilidade? O salário de diarista da minha faxineira que vem toda terça feira limpar os livros do escritório e coisas tais, sem as quais a função de faxineira já seria parte das coisas que não perderam o valor mas perderiam a utilidade. Tantas coisas perderam o valor e não a utilidade. Outras tantas perderam o valor e a utilidade. Mas o que não se perdeu, e jamais se perderá são os sentimentos que fizeram a história dessas coisas, o entretecido no oculto, as lembranças que ajudaram a compor um quadro de uma normalidade tão abençoada. Que saudades! Que saudades do telefone preto, das ações da Paskim que guardávamos como documento, do aparelho de som que nos trazia o Altemar Dutra, na sala de nossa casa. Que saudades do tempo que passou. Desse tempo que passou sem perder o valor e a utilidade de nos fazer lembrar que, um dia: Fomos! Um dia "fomos" com tudo o que essa palavra possa significar para nós dois e nossos filhos. E agora que já escrevi sobre isso, corro o sério risco de que você, fazendo bem as contas, se aproxime perigosamente da descoberta da minha idade. Essa que eu guardo tão bem, porque afinal, que utilidade haveria para o mundo descobrir a minha idade? Mas sabe de uma coisa: eu tenho a idade que aparento ter e não a que a certidão registra. Obrigada Dra. Vânia Diniz! Obrigada Dr. Fábio Rebucci, chiquérrimo dermatologista da Juliana Paes e MEU. Mais meu do que dela, porque ele é meu desde que era criança e morava na esquina da minha casa. Sabe também de outra coisa? Eu não perdi o valor e nem a utilidade. E esse sentimento irá comigo para além da vida porque é lá que todos iremos alcançar em plenitude o nosso valor e a nossa utilidade.

A nossa esperança está em Deus

Todos os livros de auto-ajuda, apenas defendem a idéia contida num único versículo que foi registrado na Bíblia, muito antes que a neurolinguística e a filosofia descobrissem o poder do pensamento positivo. Esse versículo está em Lamentações 3: 21: “Quero trazer à memória o que me pode dar esperança.” Todo o capítulo 3 do livro, cuja autoria é atribuída ao profeta Jeremias, é uma alternância de sentimentos e pensamentos que oscilam entre o desânimo e a confiança. Esse capítulo é uma miniatura do que acontece na vida de todos os homens. Há, para cada um de nós, um tempo de amargura e um tempo de bonança, um tempo de guerra e um tempo de paz, não necessariamente nessa ordem. Tudo quanto acontece neste mundo é uma alternância entre esses dois tempos. Quando folheamos uma revista antiga de celebridades e nos deparamos com figuras carimbadas do mundo fashion, podemos verificar que o intervalo entre esses dois tempos são recorrentes e que nem mesmo, o mais privilegiado dos homens escapa dessa periodicidade que hesita entre as amenidades e as agruras da vida, de maneira cíclica e sazonal. Como sempre, a mídia ajuda a compor os extremos que circundam os mitos: aquele que é celebrado hoje, amanhã estará sendo execrado com a mesma intensidade com que foi festejado. Essa é a glória do mundo: falsa, inventiva e mitológica. Um intervalo de tempo e temos o mito da celebridade jogado no limbo.
Mas isso não acontece apenas com o mundo fashion. Isso acontece todos os dias com pessoas anônimas e até com cada um de nós. De repente, a auto-estrada da vida nos leva a uma derrapagem, a situação escapa ao nosso controle, e quando pisamos no freio, descobrimos, com desalento, que é um pouco tarde: caímos na contra mão. A contra mão é um lugar extremamente perigoso e solitário. Nessa hora não há muitas pessoas para nos resgatar. Nessa hora só podemos contar com aqueles que nos amam e com Deus.
Foi sob esse contexto que Jeremias escreveu o capítulo 3 do Livro de Lamentações. O profeta desfia o seu rosário de lamentos ( e por isso o livro se chama “Lamentações”) num crescendo do versículo 1 ao versículo 20. Mas no versículo 21 algo acontece internamente: Jeremias descobre que é melhor trazer à memória o que lhe pode dar esperança do que ficar contendendo e murmurando contra Deus. Jeremias pára subitamente de reclamar e recorre, então, às lembranças que guardara acerca dos feitos de Deus e do seu caráter. Três são os atributos de Deus que Jeremias quer recordar para conservar a esperança: a Sua bondade, a Sua fidelidade, e a Sua misericórdia.
No dia mau podemos escolher o que queremos trazer à memória. A mente funciona como uma esponja absorvendo as idéias que nos fazem bem, e que nos trazem esperança, e as idéias que nos fazem mal, e nos trazem desesperança. Tal qual o profeta Jeremias, podemos nos lamentar por um tempo diante de Deus, mas a bênção só virá quando trouxermos à memória o que nos pode trazer esperança: a bondade, a fidelidade e a misericórdia de Deus. Haja o que houver em nossa vida, tenhamos em mente que Deus não muda. Ele sempre será: bom, fiel e misericordioso.