quarta-feira, 19 de setembro de 2007

EVA, O CAPETA E O JARDIM DO ÉDEN

Uma amiga acabou de me telefonar agora mesmo, indignada. Estava em Umuarama, numa panificadora, tomando um lanche com o genro, numa dessas instalações em que os ocupantes da mesa vizinha sentam-se de costas um para o outro. Tipo "eu não te vejo, mas cuidado que eu te escuto". Minha amiga levantou-se para ir ao balcão. Sem olhar para os lados, não viu quem estava na mesa vizinha. Era uma mulher da nossa cidade. Uma cidadã de Cruzeiro do Oeste, que a viu, mas não foi vista. Essa senhora, sem saber que na mesa atrás, continuava sentado o genro, de costas para ela, disparou uma conversa desse tipo: " olha essa daí, nem cumprimenta. Só podia ser de Cruzeiro. Não vê a Ana Maria, do Dr. Ivo, pensa que é a "ban-ban-ban"(sic) e a mãe era apenas uma costureira." O comentário infeliz foi esse. Tive que rir quando ouvi, um pouco para disfarçar a dor, um pouco para me defender de qualquer palavra impensada, num primeiro momento. Entrar pelo caminho do revide verbal só me igualaria a Eva e ao capeta. Eva repaginada com outro nome, o capeta, velhíssimo, em sua mania de meter a colher no jardim dos outros. Não faltou nem mesmo o Jardim do Éden: o local é de uma tentação gastronômica sem igual. Na verdade, só fiz lamentar. Lamentei como se lamentam os mortos e os pobres de espírito. Há tantas formas de violência é uma delas é essa: falar da vida dos outros quando os outros querem tão somente viver em paz. Um dia, o salmista disse: "Senhor, não me ocupo com coisas grandes demais para mim e como criança faço sossegar a minha alma." ( citação de um salmo). Tenho buscado esse sossego, mas nem sempre o encontro. Também não me ocupo com coisas grandes demais para mim. Apenas vivo. E ultimamente, tenho um desejo secreto que, agora, vou revelar: quando era criança, via minha mãe criando vestidos lindos. Para mim, para minha irmã, para minhas primas, e para as suas amigas também. Coisas lindas. Com os retalhos, ela me ensinava a fazer vestidos para as bonecas. Depois, tornei-me adolescente e passei a achar essa ocupação pequena demais. Foram anos de total desinteresse. O tempo passou e, um dia, voltei a valorizar a costura, a customização, essa moda que reinventa detalhes novos em peças usadas. Infelizmente, não havia mais tempo disponível para aprender: eu era uma educadora, cuidava da minha casa e dos meus filhos. Quando, finalmente, sobrou-me tempo para aprender, faltou mãe para ensinar: ela já havia partido. Esses dias, conversando com a minha amiga Nelsi que é dona de uma confecção e faz jaquetas lindíssimas, disse a ela o quanto lamentava não ter-me especializado em um trabalho manual. O trabalho dignifica o homem. Costurar é uma arte. Fazer coisas lindas é privilégio de quem tem habilidade manual. Dominar a língua é um dom. Amar é pura graça. Nós não sabemos amar, mas Deus ama o mundo através de nós. Falar mal dos outros, tripudiar, fofocar, discriminar, e rotular é um pecado. A vingança também é. Publicar aqui no blog é a minha vingança. Que Deus nos perdoe a todos!

SIMPLIFIQUEI...

Antigamente, num tempo não muito distante, minha vida era complicada demais. Dessas complicações minúsculas que a gente faz acontecer, apenas por não conhecer uma outra forma de viver. De simplificar. De ser livre.
Eu me lembro do corte de cabelo, que precisava ser escovado, a cada vez que fosse lavado. Isso me consumia pelo menos 3 horas semanais no cabeleireiro. Sem contar que, como o cabelo era longo, as frequentes tinturas exigiam um profissional especializado. Junte-se a isso a sessão semanal de unhas e a sessão mensal de depilação. Simplifiquei: cortei o cabelo bem curto e assim não preciso mais de escovação, aplico a tintura em casa, numa cor muito próxima ao meu tom original - apenas para cobrir os fios brancos- e a sessão mensal de depilação foi substituída pela velha lâmina de barbear. Eu sempre pensei, como todo mundo pensa, que esse método de depilação engrossa os pelos. Tolice, não engrossa. O que acontece é que, como a lâmina corta os pêlos pelo meio, e não pela raiz, quando nascem ficam espetados por uns dias, e parecem ter vindo mais grossos. Não vieram. Estão tão macios quanto eram, quando nascemos. Experimente deixar crescer e se verá a pelagem macia. O que acontece é que ninguém deixa crescer para conferir. Soube disso quando fui fazer depilação a laser, na virilha. Fiz amizade com a médica. No meio da sessão tortura, perguntei se ela fazia em si a depilação a laser. Ela disse que não, que não via nenhuma dificuldade em passar a lâmina, todos os dias, debaixo do chuveiro. E para completar, deu-me uma aula, para que eu entendesse porque os pelos não engrossam. Fiquei muito grata pela informação e nunca mais voltei. A sinceridade lhe custou a cliente. Até hoje a secretária me telefona convidando para fazer novas sessões, mas é tarde: jamais vou deixar de ser cliente da Gilette do Brasil que é barata, não dói, e não encrava. Simplifiquei: de tudo isso, agora só manicura e pedicure. Por enquanto.
Também simplifiquei o estilo de roupas: calça jeans vai bem com tudo. Troca-se a blusa por um tecido mais ou menos elaborado, conforme a ocasião e dá para ir do supermercado ao cinema, do trabalho a um jantar. Como não vou nem ao cinema , nem ao jantar, fico só com o trabalho mesmo. As ocasiões especialíssimas são raras, quase não vou a esses eventos. E se preciso mesmo ir, apelo para um curtinho básico. Aboli os conjuntos de linho, as calças sociais, os vestidos de seda e os vestidos longos que mofavam no armário, esperando a próxima ocasião. Doei peça por peça. Meu guarda roupa de 18 portas ficou vazio. Que alegria ter um guarda roupa vazio para guardar nada. A alma, esse compartimento tão carregado de inutilidades, está realizando o processo de desapego que a sabedoria recomenda. Toda vida tem um Apocalipse e o meu já começou.
Simplificado também foi o cardápio da mesa nossa de cada dia: arroz, feijão, carne, salada e verdurinha quente. Que delícia. Variedades, só circunstancialmente. Antes todo dia era dia de orgias gastronômicas. Nunca fomos obesos porque a genética colaborava. Mas que era uma comilança e tanto, isso era... Cheguei a ter uma pessoa só para cozinhar. Hoje, a cozinheira sou eu. Amo ser a cozinheira da casa. Amo o cheiro do café passado na hora, o feijão que eu tempero como ninguém, a saladinha verde cujas folhas eu escolho. Cansei de comer o que os outros escolhiam. E entre comida de atleta e comida de gordo, fico com a de atleta. Sorry.
Simplifiquei. Um pouco por contingências econômicas, um pouco por desencanto, um pouco por sabedoria, um pouco por lucidez, um pouco pelo espírito, e tudo isso, somado resultou em uma opção de vida mais leve, mais arejada, mais despojada. Com a simplicidade, tudo ficou mais simples. Sem frescuras. É uma ironia: quando se aprende a viver está quase na hora de morrer.