quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Andam abusando do direito de escrever no painel traseiro de carrinhos e carrões.



Andam abusando do direito de escrever no painel traseiro de carrinhos e carrões. Abusam tanto, que eu me divirto tanto. Ou me aborreço muitíssimo. Quando avisto de longe, um carro, com uma fraseologia ambulante, acelero para chegar mais perto: - “fala carro, que eu lhe escuto como um ser falante.” Que você não é, mas convencionaram que fosse.

E os carros, esses dizem coisas que os seus donos gostariam de dizer, mas não encontraram espaço em outro lugar. Gente que ainda não entrou na era do www. Tão fácil: um clic e tem-se um blog circulando na WEB. E com ele o direito de dizer o que se sabe, o que se pensa, o que se quer. Mas existe ser movente que ainda prefere o vidro traseiro do carro: uma resumição só.

Dia após dia, mês após mês, ano após ano, há gente dizendo a mesma coisa, e há gente lendo a mesma coisa. Com uma desvantagem: lemos e não podemos opinar, compartilhar ou discordar. Fiquei mais de ano, com um vizinho confirmando, todos os dias, que “batatinha quando nasce esparrama pelo chão” e a batatinha nunca cresceu e nunca parou de esparramar-se, até o dia em que ele mudou-se daqui e foi esparramar batatas em outro arraial. Singelo, não?

Mas há situações mais graves. Por exemplo: o que significa um adesivo com os dizeres: “Propriedade exclusiva do Senhor Jesus.” Significa que o Senhor Jesus é o dono do carro, ou é o dono da vida de quem possui o carro?

Se fôr da vida, seria melhor escrever no coração. Se fôr do carro, a coerência exigiria que se entregasse a chave, para toda e qualquer pessoa, que do veículo, necessitasse. Um vizinho doente - sem carro para se locomover até o hospital? Poderia usar esse - que é propriedade exclusiva do Senhor Jesus. Um mendigo cansado, carregando seus trapos em direção ao sul? Teria todo o direito de pedir que o levassem até a cidade mais próxima, utilizando-se da propriedade exclusiva do Senhor Jesus. Simples assim.

Porque é isso que faria Jesus. Onde já se viu Jesus negando a um discípulo precisado, o direito ao uso do seu jumentinho, se jumentinho Ele tivesse possuído? Não possuiu. Para a entrada triunfal em Jerusalém, tomou um emprestado, e o devolveu, depois, ao verdadeiro dono.

Andam abusando do direito de escrever sobre Jesus no painel traseiro de carrinhos e carrões. Uma frase muito em moda: “Deus é fiel”. Essa é a escolha de nove entre dez modelos de carros novos. Como se a fidelidade de Jesus dependesse da conta bancária do cidadão que pôde adquirir a máquina. E com tal, sub-entende-se que aquele que só pôde comprar um Uno velhinho, não pôde contar com a fidelidade de Jesus. Que essa é prerrogativa de quem tem modelos mais modernos e sofisticados.

A fraseologia dos religiosos, deixa-me com suor nas axilas, tão agitada me torno. Fico como se tivesse cumprido o percurso da São Silvestre, mil vezes, com a língua de fora, sem olhar para trás. Meu Deus, para onde irei eu, tendo que guardar comigo o que penso, nesse pensar que é meu próprio, e que é tão solitário? Para:

www.anamariaribasbernardelli.com

Felizmente, temos também a fraseologia dos apenas humanos. Esses não misturam alhos com bugalhos. Só por isso, já contam com a minha compreensão. Um exemplo: “ Eu amo meu marido.” Ou “Eu amo minha mulher.”

Posso compreender, mas não posso deixar de comentar: olha só que patetice! Pois se a sujeita tem um homem como marido, e se esse marido a tem como mulher, seria por algum outro motivo que não o amor? O que mais deveria unir um homem e uma mulher: a conta bancária? os filhos? o comodismo? afinal, por quais motivos um ser humano precisa sair por aí anunciando que ama o parceiro, se isso deveria ser o óbvio ululante? Talvez porque não seja.

Outro dia, eu reconheci um homem inocente e puro, pela fraseologia do seu carro. As letras bordadas no painel diziam o seguinte: “ A FORÇA DA TUA INVEJA É A VELOCIDADE DO MEU SUCESSO.”

Esse foi curioso. Olhem os detalhes: ele viajava a 60 km por hora, e o carro estava usando toda a força dos seu cavalos de força: era um fusquinha hum mil novecentos e bolinha, caindo aos pedaços.

Mas enquanto os pedaços não caiam, o homem puro passeava com a mulher e os filhos, todos puramente assentadinhos e espremidinhos, como sardinhas em lata. Eu passei por eles, com a minha máquina, e enxerguei, só no banco traseiro, quatro pares de olhinhos que descobriam o mundo em alta velocidade. Contando mais dois, nos bancos da frente, temos seis: seis pessoas que me pareciam haver acabado de adquirir o direito de locomover-se, como se estivessem ao redor da mesa da cozinha: sentados. A paisagem apenas passando, em slow motion, e a emoção mais acelerada do que o motor daquele que, um dia, fora chamado de carro.

Esse tão puro do qual lhes falo, morador da roça que era, usava chapéu. E o vizinho dele, só tem uma carroça e é invejoso. Então, já se sabe a lógica da frase escolhida: “a força da tua inveja, é a velocidade do meu sucesso.” Fácil de ler, digerir e engolir: “Vai seu Zé, ser sucesso na vida com a força da inveja do seu Mané.”

Cheguei em casa, e escrevi a frase no mural de avisos, para não esquecer. Porque ali me nasceu essa crônica. Quatro dias depois, finalmente, Ivo, distraído como ele só, ou ocupado como sempre foi, veio perguntar o que significava aquilo que estava escrito em nosso mural de recados. E que me fazia rir, toda vez que passava por ali.

Nada não, Ivo. Significa apenas isso: Se eu fosse adepta do fraseologismo ambulante, as frases do meu carro diriam assim:

1- Propriedade exclusiva minha, porque comprei com o dinheiro do Ivo.
2- Deus é fiel com carrão, com carrinho, com carroça, com bicicleta, ou a pé.
3- Se eu amo, ou não amo meu marido, é problema meu. Cuide do seu.
4- Sua inveja, não me fede, nem me cheira: pode invejar à vontade.

Mas isso é porque sou revolucionária, reacionária, sublevadora, retrógada e porque não acompanho a modernidade dos meus pares.

Faz parte do chamado de mulher das cavernas. Das cavernas de Elias.


* Foto produzida pelo Alemão. Obrigada, alemão.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

SEU PROBLEMA, MEU PROBLEMA.




Como saber jamais o que se passa no coração de uma jovem de 15 anos, que pede-me ajuda para um mal que não conheço. As palavras tão poucas, tão doloridas e tão pungentes, se revelam como cacos em minha mão, à espera de que eu componha, com eles, um mosaico colorido. Mas só há cinza nesses cacos: “um grande problema, uma grande luta, a vida é injusta, estou sofrendo muito.” E para meu desespero, estes outros: “leio todos os dias o seu diário, te admiro muito, preciso de apenas uma palavra de uma pessoa como você, se puder me ajude. Me responda?”

Sem nem saber seu nome, foi o que fiz ainda ontem. Mas acho que não fiz bem feito, porque não dormi direito: faltou-me a paz. Acho que você não merece que eu lhe responda com poucas palavras, você merece uma crônica inteira. Hoje, meus queridos, dêem-me licença: dane-se o mundo literário. Farei aqui o que Jesus faria ali: deixarei os 99 leitores no deserto e irei em busca da leitora perdida.

Que aos 15 anos, é hora de uma mocinha começar a encontrar-se consigo mesma, e não é hora de perder-se de si mesma. Como não sei em que avenida ela se perdeu, irei buscá-la exatamente aonde eu me encontrava, quando tinha a mesma idade.

Meus tempos de anos 15 foram tão minguados, e nem assim impediram-me o sonho. A empresa do meu pai acabara de falir, e eu trabalhava para ajudar a colocar em casa o arroz e o feijão. Carne quase nunca havia. A mistura era banana. Uma delícia banana com arroz e feijão, você já experimentou? Até hoje, ainda promovo o reencontro desses dois sabores que me são tão familiares: o doce temperando o salgado, e os dois combinando de me iludir, com uma viagem imaginária ao oriente. Um dia, inventei que aquele era um prato das Índias. E foi assim que descobri as Índias sem sair do Brasil.

Dinheiro, pois, não havia para a viagem, mas para o sonho sobrava. Eu tinha longos cabelos negros, extremo bom gosto e nenhum recurso para andar “na moda”. Mas tentava: comprava o tecido nas falecidas Casas Buri e minha mãe costurava. Aos 15 anos, ganhei de presente de aniversário, da minha avó, uma quantia em dinheiro que dava para comprar um pedaço de pano e confeccionar um vestido. Comprei um bem psicodélico, com ondas em várias tonalidades de azuis e rosas. Resultou num tubinho em forma de “A”, com mangas boca de sino e gola Mao, arrematada por um lacinho que fechava o decote.

Ainda me vejo nele, porque gostava de me ver em qualquer trapinho. A extrema pobreza não impedia que eu gostasse da vida e que a vida gostasse de mim. O riso era fácil. Mas o corpo me era um problema: eu não sabia andar com a graça e a leveza de uma gazela. Meu andar sempre teve algo de um soldado a caminho da guerra. E aqui, faço uma pausa para me lembrar da amiga Lúcia Miranda: era ondulante como um rio que serpenteia, colina abaixo. Eu queria tanto ser esse rio ondulante, mas era um soldado a caminho da guerra, montanha acima. O quadril não quebrava.

Por onde andará Lúcia Miranda? Aquele andar salvou Lúcia Miranda da mesmice a que a maioria de nós, nos submetemos. Aqui ficamos e aqui envelhecemos. Lúcia correu o mundo com o seu rio ondulante. Será que ainda serpenteia?
Deixemos Lúcia para lá.
Trabalhar foi algo de que nunca gostei. A bem da verdade, não encontrei nenhum trabalho, nesta vida, que me merecesse por completo. Mas se tinha que trabalhar, que remédio? Trabalhava! Meu irmão, quando casou, disse para mim: “agora, vou ter a minha própria casa e você se vire por aqui.” Ele me falou assim mesmo, e assim mesmo teve que ser. Passei a acumular duas funções, em dois trabalhos diferentes: detestava os dois!

Nas questões sentimentais, era de uma incompatibilidade total com o sexo oposto: fui ter o meu primeiro namorado aos 17 anos. Aos 15, eu apenas sonhava com o meu príncipe encantado, mas ele nunca vinha. Vinha para todas, menos para mim. Meu primeiro amor, foi uma mistura de namorado com amigo: a coisa empacava e não se resolvia. Nunca nos beijamos. Muitos anos depois, relendo uma de suas cartas, vim a entender porquê: a sua opção sexual era outra, mas ele não assumia, funcionário do BB que era e, naquela época, não podia. Meu Deus, eu era tão ingênua, nem sequer pressentia.

Minha sensibilidade me levava a certos extremos: chorava como se um rio brotasse repentinamente de mim, e gargalhava com a solidez do relincho de um cavalo, que também vinha de mim. Era mesmo de extremos. Eu acho que era feliz.

Eu tinha 15 anos! Você faz idéia do que é ter 15 anos? Ter 15 anos é para gastar do jeito que se quiser. E, nesta manhã, venho encarecidamente lhe pedir: não escolha gastar os seus 15 anos na pré história da humanidade. Não há mais tantos perigos ameaçando a terra. Jesus já veio ao mundo. Não há dores, não há ameaças, não há lutas, que Ele não possa curar, defender e vencer : Ele é o Senhor!

Para que Ele se torne esse Senhor que pode tudo, precisa apenas que você lhe outorgue o poder de poder tudo. Uma procuração com amplos e irrestritos poderes.

Há duas maneiras de conhecer Jesus: uma é o Jesus histórico, objetivo, que se conhece do lado de fora. Esse não lhe servirá para muita coisa. Mas a outra maneira é interior, subjetiva e mais profunda. É um conhecimento experimental, revolucionário, que sacode estruturas combalidas, e as coloca no devido lugar.

E como experimentar esse Jesus? No seu caso, experimentando como remédio: em pequenas doses, até à cura. Em doses maiores, depois da cura. Jesus é um remédio que, em doses pequenas, cura o doente, e em doses maiores promove a saúde para sempre, amém. Busque-o, da maneira simples como buscou a mim: falando com Ele.

Não leia apenas o meu diário: leia a Bíblia. É na Bíblia que busco inspiração para escrever, portanto, vá direto à fonte. Ouça Jesus falando pelas palavras Sagradas. Quando oramos, nós falamos com Deus; quando lemos a Bíblia, Deus fala conosco.

A natureza também fala por Deus. Você tem um bichinho de estimação? Tenha! Às vezes tudo que me sobra para tocar em Deus, de maneira palpável, é o abraço e a lambida das minhas cachorras. Que quando me falta o amor em concretude, essas nunca me faltam. Pode faltar-me o Ivo, pode faltar-me o Paulo, pode faltar-me a Sandra, pode faltar-me a Silvia, mas o abraço das minhas cachorras está sempre disponível, para mim, no fundo do quintal. E eu aproveito, e também abraço e lambo. Tudo o que existe no mundo é um resumo de Deus! Sabendo disso, você saberá também, que todos os resumos são horizontes amplificados, que a sua própria mão é capaz de alcançar. Não se escandalize se eu lhe disser o que está escrito na Bíblia, e que poucos souberam ler: "Sua presença enche a terra." Toque-o nesta manhã, da forma como Ele se apresentar diante de você. Jesus é o general de guerra, é o advogado, é o médico, é o procurador, é o remédio, é o consolo, é a cura. Tudo é Ele!

Aqui estou apenas enfunando uma vela, e colocando diante de você um barquinho, que pode lhe conduzir a novos rumos, a novas terras. Na proa vai Jesus, mas você é o remador. Siga o rumo que Ele lhe derminar. Apenas não esqueça, que para se chegar a algum lugar, você terá que remar. Reme, então! "Jesus está no barco/e você é o remador/lá na frente está Jesus/ Ele é o condutor."

sábado, 13 de setembro de 2008

NÃO REVIRE A LATA.



Não sei se a descoberta é óbvia, se é sutil, se é apenas adivinhada, em um daqueles momentos de pura revolta, que pode acontecer numa tão segunda feira pela manhã. Eu só sei que a descoberta me veio em cintilância de revelação. Um dia, como brilha um cristal partido, ela brilhou. E eu sorri e disse: mas então é isso? Mas “isso” é muito perigoso.
E no entanto, perigoso ou não, a descoberta me foi tão clara como o sol do meio dia. Que continua brilhando, para mais claro ir se fazendo. O peso da responsabilidade de saber, eximiu-me da culpa de não compartilhar porque dentro de mim havia um chamado para proteger o mundo: revelar poderia ser danoso demais à humanidade e eu era a mãe do mundo, a mãe que continha um grande segredo.
Eu pensava que era adulta, mas ainda era criança.
Hoje cresci e decidi compartilhar com vocês que o trabalho é uma maldição. Uma maldição que foi impetrada contra nós lá no Jardim do Éden e que continua nos arrostando pela vida afora como uma escravatura celestial: “ No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás.” GN 3: 19.
O trabalho é uma maldição e Deus quer que você corra atrás da bênção. É na bênção que está a libertação de tanto trabalho. Porque na lei da escravatura, estava escrito - apenas - que o homem deveria trabalhar em troca do pão que alimenta, mas esse mesmo homem, ampliando a maldição, determinou que alimentar-se só de pão seria pouco: então passou a trabalhar ainda mais para alimentar-se de carros, de fazendas, de casas, de iates, de viagens, e de tudo o que reluz como ouro. A sedução enganosa do ouro fez do preço da maldição uma carga excessivamente pesada. Mas tem gente que gosta. Tem gente que sucumbe ao peso e morre.
Quando eu era operária, que tédio me davam as que se ufanavam de sê-lo.As que exerciam com glória o seu destino de mouras. Eu era apenas conformada.
E conformada mesmo, tornei-me chefe de tribo. Fui chefe de tribo durante 20 anos e nos meus dias de chefia, ninguém morreu de tanto trabalhar, ninguém fez hora extra, ninguém ouviu de mim uma convocação para que se doassem integralmente à maldição do trabalho. Que integralmente só Deus nos merece. O mesmo Deus que nos amaldiçoou com a bênção do trabalho, na esperança de que em vendo a maldição todos os dias, o buscássemos em todas as horas.
Quando eu era chefe de tribo, houve dias em que alguns escravos vinham trabalhar, com vontade de trabalhar- que esse mal é recorrente e necessário. Pois se Deus nos impetrou a ordem para trabalhar, que se trabalhe então, segundo a ordem de Deus. Mas houve outros, que, nesses mesmos dias em que aqueles trabalhavam, esses outros fingiam trabalhar – que esse mal também é recorrente e necessário. Pois se Deus nos criou com a capacidade de sonhar infinitos azuis, que se sonhe então, segundo a capacidade que Deus nos deu, de sonhar infinitos azuis, enquanto se trabalha.
Os que estão em dias de ordem e progresso, não devem atrapalhar aqueles que estão em dias de sonhos secretos. Não há antagonismo nas duas proposições quando se sabe que ambas estão latentes dentro do homem. O equilíbrio é azul.
O equilíbrio é assim como uma gangorra que sobe e desce, e mantém o vai-e-vém da máquina em pleno funcionamento. Que não se exija do homem que ele seja super-homem e tudo estará bem. Que não se exija do homem um diálogo marxista quando o que ele quer é apenas cumprir a sua trajetória acostumada.
Dessa maneira fui chefe de tribo durante 20 anos: não exigindo nada que a humanidade não pudesse conceder e ainda assim recebendo tudo o que seria possível receber. Nunca coloquei um CGC como prioridade em minha vida de chefe de tribo. Minha prioridade sempre foi cada um dos membros da tribo. Nunca permiti que um aniversariante tomasse o rumo entediante do trabalho no dia mágico do seu aniversário. Onde já se viu um aniversariante ser presenteado com a maldição do trabalho, bem no dia abençoado em que veio ao mundo? Nunca adverti o ser humano por ele ser humano. A bem da verdade, em 20 anos de trabalho, fiz isso uma única vez. E arrependo-me profundamente de tê-lo feito. Sempre segui o que meu coração mandava fazer diante de mulheres que vinham trabalhar com filhos doentes e cólicas menstruais dolorosas. E voltavam para casa, na mesma hora. A diretoria era um lugar de encontros apenas necessários; o coração era o lugar dos encontros definitivos.
E havia oração no início de cada dia, e havia a leitura da Palavra, e aquela oração e aquela Palavra, nos fazia lembrar que temos um único Pai e que somos todos irmãos. Isso coibia qualquer pensamento abusivo. Pois se Deus nos via, como esconderíamos dos homens aquilo que Deus já sabia?
Deixei aquele lugar depois de 20 anos, sem oferecer a ninguém a mediocridade dos que governam para o exercício do autoritarismo. Livrei-me do peso da impostura, porque entre meus pares, nem autoridade - na acepção humana da palavra - precisei ser: cada um tornou-se responsável por aquilo que cativara no outro, e o amor de Deus encarregou-se de elucidar brandamente o nosso destino.
Outros vieram depois de mim. E nesse depois de mim, todos os paradigmas que Deus me orientou a criar ali, foram desprezados, como se despreza um pão bolorento. Criou-se a teoria de que toda ação deve ser investigada à exaustão. Procurando bem, sempre se encontra alguma coisa cujo destino seja a lata do lixo. Quem tem fome de porcaria, que revire a lata. Quem tem vocação para cão, que fareje o mundo. Mas quem tem sede de Deus, que olhe para o Alto. É simples assim.
Ah, administradores do Brasil e da minha terra, e do mundo: uma só coisa tenho a vos dizer - bobos sois! E no futuro, nada sereis. E enquanto todos vós caminhais para o nada, Deus segue sendo tudo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A HISTÓRIA QUE JÁ VEIO ESCRITA.


Como conhecer jamais as insuspeitáveis possibilidades que o homem contém nessa pequena vida que lhe bate no peito? O universo é tão vasto. E assim como o macro é o micro. A beleza do sol não está apenas em seu fulgor ardente, mas na escolha pacífica da sua trajetória. Ele apenas se levanta, quando a terra ainda dorme, e segue impávido o seu caminho de luz sobre os feixes de trigo. Quando termina de abençoar aqui, começa lá. Foi-lhe devidamente providenciado que brilhasse, aquecesse e embebesse de vida a mínima semente que contém seu próprio mistério. E assim, um mistério ajuda ao outro, e ambos latejam em vida.

Também sei da história de uma rosa. Tão breve. Tão linda. Tão heroicamente nada, acostumados que estamos a pensar que tudo que apenas deleita os olhos é fútil. Um dia, toda rosa é uma rosa, mas no outro dia, toda rosa já era rosa. De carmim, suas pétalas passam a lembrar o fúscia, e depois o rosa, e depois o rosinha pálido que se transforma em anemia, e depois de grave doença anêmica, o que era - já não é - e tomba, nada sendo.

A rosa morre de morte tombada. Mesmo que o caule ainda lhe sustenha, ela desiste quando compreende – subitamente compreende- que a beleza inspirada por Deus não comove mais o coração dos homens. Que para isso ela veio.

Uma vez, de pena da rosa, guardei suas pétalas no meio de um livro. Ela protestou, pediu para ser devolvida à natureza e, nesse dia mesmo, logo pela tardinha, atendi ao seu protesto e a entreguei aos cuidados do vento.

O vento é primo distante da rosa. Cuidaria bem dela.

E o Padre Fábio de Melo? Que lindeza de amor profundo. Os olhos são a lâmpada do corpo, e Padre Fábio é de tanta luz e tanta água, que a mim parece um chafariz iluminado, abastecido do mais profundo manancial. Mas ele próprio é um remanso. Um remanso de grandes olhos negros, que me deixa de um sem fôlego comovido.

Quando assisto Pe Fábio, em seu programa semanal pela televisão, não o faço para ouvir o que de tão lindo ele fala, mas para ver o que de tão maravilhoso ele esconde. Padre Fábio é o simbolo que escolhi para ser o mistério de que vos falo hoje.

Houve um dia em que, em se sabendo mistério, Pe. Fábio desistiu de ser a folha que é levada pelo vento. E veio ser, para todo o Brasil, um pai precoce. Quando ele diz “minha filha” para qualquer mulher que tenha idade para ser-lhe mãe, já se sabe: esse já nasceu pai de uma humanidade desesperada. Um pai que representa o Pai. Mas que deixou esperando uma moça que queria ser mãe. Tão lindos seriam os filhos biológicos de Pe. Fábio, com a moça que queria ser mãe. E que não lhe nascerão nunca.

Todo esse rodeio, sabe-se logo é só um preâmbulo. Hoje quero fazer-lhe uma pergunta que há milênios me intriga: por que o grosso da humanidade pode gastar os melhores anos da vida na liberdade do vento e eu- essa que vos escreve- não posso?

Eis aí um mistério. Que experimento desde a mais tenra idade. Tenho a exata sensação de que não escolhi nada do que se me atribuem ter escolhido. Apenas recebi o que já se me havia configurado receber.

Outros recebem o que querem, o que pedem, o que elegem, o que preferem.Mas mesmo esses, esses que apenas vão, ainda guardam as possibilidades da semente, que todo homem contém, para ser plantado, nascido, crescido, morrido e comido.

Um certo dia, o vento que sopra aonde quer, faz do homem-folha um homem-semente, trazido por mão poderosa, que o faz receber, finalmente, o reino que lhe é familiar.

Familiar é gastar-se a cada dia, em mínimas porções de secreta nostalgia. Eu não consigo conceber um homem sem a nostalgia que acompanha o seu pequeno chamado de dura semente.

Um dia, o meu nome foi apenas anunciado. Não houve um tapete vermelho quando Deus falou: “vai Ana”. Também não haverá tapetes vermelhos quando Deus disser: “volte Ana!” E eu, eu que recebi a primeira lufada de vento bem no meio da cara, e acreditei que sim – que podia ir- tive bem cedo a experiência de uma correnteza direcionada: “é para cá,” disseram-me. E para cá, obediente, vim.

Podia ter ido tão mais longe. Possibilidades intrínsecas não me faltaram: logo cedo descobri que estar desassosegada era o postulado de uma liberdade que, em algum lugar, se me chamava. Eu era jovem - e era linda - e era perspicaz: meus olhos viam tudo e meu coração pedia mais. Então por que não fui?

Se eu soubesse a resposta, teria obtido a substância de que é feita a vida. E o modo de obter seria uma nova realidade de se ser.

Mas que sei eu?

Eu só sei pensar. E nesta manhã, quero pensar o que prefiro, o que gosto, o que faço bem: o imponderável da vida que se manifesta na alegria brevíssima de saber - apenas sabendo- que o sol, a rosa, o Pe Fábio, eu, você, e todos os homens feitos desse lindíssimo involuntário, um dia, receberemos um bilhete que nos dirá assim: “ vivemos um ao outro profundamente, e hoje Eu lhes ofereço a possibilidade de só viver em Mim."


Nem vou pensar duas vezes na possibilidade de me diluir inteira.




quarta-feira, 10 de setembro de 2008


ESCREVO E NÃO ASSINO.

Na juventude, as amigas me pediam para escrever cartas de amor. Eu escrevia as cartas, e elas ficavam com os amores, que, depois da minha carta- dá licença? - as amavam ainda mais.

Como o negócio dava certo, elas voltavam: Mais cartas. E mais amor. E eu sempre na coxia, observando de longe o amor -que era meu em palavras, - materializar-se em vida, para elas.

Depois, como quem vai à costureira encomendar um vestido, passaram-me a encomendar discursos: orador da turma. Eu dava o sangue para escrever o discurso, e o orador, além de não dar nada, ficava com os aplausos. Bem, justiça seja feita, ele enfrentava o microfone, e eu era toda tímida.

Os anos foram passando, e eu sempre escrevinhando. Casei-me e o Ivo admitiu-se em um clube de serviço. E eu, distraidamente, fui, com ele. Aí danou-se de vez: Tornei-me escrevente exclusiva de homenageadas, a serviço de homenageantes. Que repartiam entre si os louvores.

Até o dia em que me pediram para homenagear uma pessoa, cujo texto se me tornou quase impossível de nascer: veio em dores de parto, daquelas bem cruciais, como um filho arrancado a fórceps. Não via na cidadã em questão, nada que merecesse ser alvo de uma homenagem. Mas tinha que fazê-lo, porque convencionara-se ser essa a minha função: escriba a serviço do útil e do fútil. Mais do fútil, do que do útil.

Minha velha Remigton estava no auge. E o cesto de lixo muito em moda; era uma moda necessária. Depois de uma tarde inteira de tentativas, o cesto de lixo abarrotado, esparramando pelo chão, com certa indignação, resolvi que, ao levantar-me daquela cadeira, também me levantaria com o pedido de afastamento definitivo, irrevogável e peremptório. Sem volta. Foi o que fiz até a data de hoje.

Nunca me livrei das mazelas de ter que escrever o que não quero, o que não gosto, o que não estou a fim, o que não me diz respeito. Muito raramente, digo não; quando abusam demais, ou quando não degluto o tema, seja por desconhecimento, ou por discordância.

Tenho em meu computador uma pasta repleta de textos encomendados, desde cartas de amor, de despedida, de assunção de chefia, de remissão de chefia, de protesto, de artigos para jornal, até “defesa de processos” administrativos internos, que nunca me disseram respeito, mas que, acabo assumindo na função de ajudar: -“é só umas poucas linhas,” dizem-me.

Para escrever essas poucas linhas, tenho que me inteirar da história, e como uma história puxa outra, depois vem a réplica, e em seguida, a tréplica.

Da última vez, a interessada foi convocada a comparecer a uma reunião, levando o advogado: que era eu! Tenho essa facilidade de encarar a linguagem que o momento pede. Tenho porque é dom de Deus. E por ser dom de Deus, só não tenho sido advogada do diabo. De resto, quase sempre aceito a função. Essa função estritamente solitária, cansativa e sem nenhum reconhecimento público, nem mesmo do interessado. Quando pegam da minha mão o texto pronto, ninguém imagina a chateação e o trabalho que me deu. Ou não! Tudo depende do tempo, do assunto, do momento, e da disponibilidade. Já me vi escrevendo texto às 23 horas, porque no outro dia, às 8 horas da manhã, o interessado teria uma posse. E não seria por falta de discurso que o amigo não tomaria posse. Escrevi.

No Antigo Testamento, haviam os escribas. Graças a eles, a Bíblia chegou até nós. Escrever é uma função altamente relevante e necessária. Os advogados deveriam saber escrever bem, e alguns não sabem. Perdem-se causas praticamente ganhas, por falta de argumentos e de fundamentação jurídica. Muito mais por falta de argumentos, do que de fundamentação jurídica.

Mas eu não sou advogada. Comecei e desisti. Amassei o tigre de papel que ameaçava a minha gratuidade literária com um só movimento, quando virei as costas para o curso – que pena!- na metade do segundo ano: era muita lei para mim. Fui para o curso de História. Mas não fiquei livre dos papéis e da burocracia. E, por incrível que pareça, já me surpreendi buscando nos meus velhos livros de direito, as palavras que me faltaram na “defesa” das causas alheias.

Escrevo, e não assino, mas sob protesto. Se não houver outro jeito, tudo bem: continuarei escrevendo e não assinando, porque se Deus deu-me o dom de escrever, - dando a mim e não a outros- , não seria para que eu escrevesse por aquele outro- que não recebeu o dom que Ele deu, de graça, para mim?

Na dúvida, e sabendo que Deus é fino, não quero correr o risco de perder a bênção: Escrevo sim!

O meu ofício é escrever: como o tempo escreve na árvore, e não assina o nome, eu escrevo, e faço de conta que não escrevi. Só reclamo um pouco, mas Deus perdoa.