quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009


EU FIQUEI.


Alguns dirão que o verão ainda está em curso. Mas eu digo que não, que o verão acaba quando recomeçam as aulas de mais um ano escolar. Carnaval não é propriamente verão, é a saidera. É o pregoeiro anunciando que a coisa agora é pra valer. Que a moleza acabou. Tudo bem que depois vem a chamada Semana Santa que, para falar a verdade, de santa só conferimos a ela o nome e a boa intenção. A intenção de malhar o Judas, de atribuir a ele todos os pecados que cometemos durante o ano, e que no calendário das expiações, faz com que o novo ano seja sempre velho, sempre o mesmo ano comprido. Mas, enfim, o que quero dizer mesmo é que o verão já foi, já era, já se despediu. E que ele vá com Deus e leve consigo o seu calorzão.

Eu fico muito feliz quando termina o verão e vem o outono. Da mesma forma como fico feliz quando termina o inverno e vem a primavera. Fico feliz porque me desobrigo de fazer coisas que pertencem ao verão, e que todo mundo faz, mas eu não tenho a mínima vontade de fazer. Ir à praia, por exemplo. Durante anos da minha vida eu tive que ir, mas hoje, não tenho mais. Hoje, no máximo só tenho que ouvir a clássica pergunta: “vocês não vão descer para a praia, não?” Essa pergunta ainda me incomoda. Ainda conservo o registro de que verão é praia, com ou sem vontade. Então, quando a pergunta vem, meu cérebro se coloca em estado de alerta e só descansa quando, meia hora depois, eu o convenço de que não há mais necessidade de cumprir o protocolo oficial que a Prefeitura Municipal de Balneário Camboriu instituiu para este verão. Finalmente estou alforriada de ter que deitar naquela areia grossa e contrair bicho geográfico, estou livre de ter que pegar um bronze, e de quebra, levar para casa uma melanose solar, estou liberta da necessidade mórbida de apresentar um atestado oficial de veraneio “bronzeplus” ao retornar de mais uma temporada.

Hoje eu contemplo o sol pela janela de casa. E não lhe dou a mínima chance de encostar-se a mim, mais do que alguns minutos por dia. Sempre de passagem. Eu e o sol nunca nos entendemos bem, graças a Deus. Nunca entendi qual o sabor de lagartear sob um calor de mais de 40 graus. Nunca fiz questão de garantir o meu lugar na areia depois das 10 horas da manhã. Ir à praia, eu até que ia: para bater o ponto. Uma hora depois de ter batido o cartão, eu fazia o caminho de regresso. No rosto, estampada, estava a suprema felicidade de ter cumprido a obrigação do dia. E de poder, enfim, curtir a brisa do mar, da sacada. De preferência, com um livro na mão, para descansar a vista daquele marzão comprido. E vice versa. Até o próximo dia. Até o próximo verão. Até que tudo acabasse como, efetivamente, acabou.

Também fico feliz quando termina o inverno e vem a primavera, mas não por idênticos motivos. Eu amo o inverno e amo a sensação de aconchego que ele me proporciona. Inverno é a alforria ao contrário. No inverno pode-se dizer: “prefiro ficar em casa porque está frio.” Todo mundo entende. Inverno é chocolate quente numa mão e livro na outra. Inverno é pipoca, filme, e cobertor. Mas depois do inverno vem a primavera. A primavera, sem sombra de dúvida, é a estação que mais combina com o meu estado de existir. Primavera é renovação. É o período em que a natureza se exibe como um pavão, e eu fico acreditando que tudo nessa vida tem a possibilidade de nascer de novo, de se enfeitar outra vez, de ser melhor do que já foi.

Eu acredito na primavera como acredito em Deus. Eu vejo na primavera a mão de Deus me oferecendo rosas, lírios, bougainvílleas de todas as cores, cravos e begônias. Primavera é a estação do equilíbrio que eu persigo tanto e nunca alcanço. Primavera é o rio que corre no meio do jardim. Primavera é jardim. E eu sou a borboleta que finalmente tem um encontro com as flores. Até o próximo verão.

Feliz outono para todos, para os bronzeados e para os desbotados, para os que foram e para os que não foram, para os que surfaram e para os que ficaram. Eu fiquei.