Prosa



DE ONDE ESTOU
 
De onde estou
avisto o mar
De onde estou
alcanço o infinito
De onde estou
 vôo de gaivotas
De onde estou
imprecisos ritos

De onde estou
a liberdade está

De onde estou
Deus está comigo

De onde estou
Paz, Deus e mar

De onde estou
Céu, Deus e luar

De onde estou
Quietude e solidão

De onde estou
Perfeita comunhão
 
E ainda nem é verão...
 
De onde estou
O silêncio das espécies

De onde estou
Apenas eu comigo

De onde estou
Ninguém pode estar

De onde estou
O vaivém das ondas

De onde estou
O mal não pode entrar

De onde estou
O céu posso tocar

De onde estou
O amor me faz sentir

Que viver é mais do que existir
Que morrer é menos que partir
Que voltar... é a razão de vir.  
 
Ana Ribas


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UM LUGAR COMO ESSE.

 

 A calma deste lugar ressoa na alma da tarde. Faz o meu cão dormir tão pachorrento quanto o vizinho que na rede se balança, lento. Faz a galinha redonda ciscar num círculo pequeno. Faz a fumaça do cigarro de palha subir num espiral ameno. As moscas estão dormindo. E é a quinta feira que já vai indo pelo meio da tarde. Suspensa no céu a preguiça convive com o silêncio fecundo das formigas. Lá longe, na rua deserta, uma cabrita passeia balançando as tetas. Passa um carro de boi gemendo. Desce o carreiro à sombra do abacateiro, tira o chapéu de palha, afrouxa a botina, descansa sem travesseiro. Uma criança colecionando vermes ao sol oferece água fresca ao boi. O sono dos mortos no cemitério do fim da rua, vela pela morte iminente dos vivos.
 

Quem diria que ainda existiria um lugar como esse... Vê e sente.

Ana Ribas



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Por que meu amor?
 
Eu sempre me pergunto, sem jamais ter  a resposta:
 
Por que você se foi no verão se é primavera de novo? Por que você se foi no verão se nunca mais houve verão?
 
- Você se foi no verão por ter-me sido dado num dia de  verão?
- Você se foi no verão para que não houvesse mais outonos?
- Você se foi no verão por que a dor é inverno?
- Você  se foi no verão por que as andorinhas sempre voltam no verão?
 
 - Por que ele se foi no verão, se era ele quem fazia o meu verão?
   - Se era ele quem vestia a roupa de Papai- Noel?
    - Se era ele quem se lembrava de presentear todo mundo?
    - Se era ele quem fazia aniversário em 27 de dezembro?
    - Se era ele quem acendia as luzes na fachada de casa?
    - Se era ele quem estourava o champagne?
     - Se era ele quem dançava comigo?
     - Se era ele quem primeiro descia para a praia?
 
 
Ele se foi no verão para que não houvesse mais natais, nem presentes, nem aniversários, nem festas, nem luzes, nem champagne, nem danças, nem férias – para isso, ele se foi no verão?
 
Ele se foi no verão, para que eu chorasse  em todas as estações do ano –  ele se foi no verão?
 
Talvez, você tenha ido no verão para que as andorinhas voando levassem o meu grito de saudade.
 
Calando.
 
Seria talvez para isso que você se foi no verão?
 
Quantos anos já se passaram desde o último verão? O tempo não parou porque você partiu. Nem a melancolia que devastou meu coração, tampouco  me destruiu.
 
O mundo um hiato não abriu.
 
Mas essa sensação de que é preciso soprar as sombras que pairam sobre o brilho das festas, sempre me espreita a cada verão. Em nome do muito que resta, eu tenho que celebrar, eu tenho que comprar, eu tenho que organizar, eu tenho que acender as luzes. E celebro: mas dentro de mim, não há mais verões e nem festas. Está tudo escuro.
 
Depois que você se foi, no meio do verão, tanto inverno!  
Ana Ribas



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Eterno Manuel Bandeira.


Um cavalheiro usando chapéu, posa no convés do navio, que o leva para a Suíça, para Clavadel.

Um cavalheiro elegante, num terno de lã bem cortado,  posa com dignidade triste para  a lente. Buscando a cura sentia a morte: Pasárgada seria a  redenção que só lhe viria depois, como vem a todos os comuns mortais.

Foi lá em Clavadel, sob o frio da neve que caía do céu, que o coração se lhe incendiou pelo fogo da poesia, e permanece queimando na pira eterna de seus versos.


Do sanatório de Clavadel para o mundo dos mortais, brotou-lhe a imortalidade das palavras.

Manuel Bandeira!  Eterno! Enquanto houver um poeta, Bandeira viverá em sua poesia.

Ana Ribas



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DIAMANTE.

MEU AMIGO:

Queria lhe dizer aquela palavra bonita, encerrada dentro da formosura acabada de uma rosa pura....
Pura na origem livre da rosa, na clareza pura do meu sentimento.

Não sei escolher entre tantas que me passam pela cabeça agora - neste momento-, aquela que mais se adapte a você.
Talvez porque você me surpreenda sempre mais e mais, com a sua capacidade de envolvimento.
A forma de chegar na hora certa, no momento exato, no segundo marcado para compartilhar do meu sofrimento.

Quando você chega, e mais de perto me olha, mais distante se torna, nesse alheiamento necessário para permitir  um pensamento adequado àquele exato momento. Pensamento que não se fala, mas se vê,  sem comunicação.

Não importa, importa que você chegou. O seu silêncio me comove toda, e a sua presença já me basta.

Tantas vezes eu precisei de você, quantas vezes você se fez presente.

 E depois que a tempestade passa, levada pela nuvem negra que você, assoprando, desviou do meu caminho, sou eu que me faço distante, longe de tudo, longe de todos, inacessível, hesitante.

Estigma que eu levo adiante.

E assim nos separamos, nessa fuga de um instante.

Você respeita, não força, não questiona...
Apenas segue, confiante....
E quando eu penso acho que desta vez eu o perdi- lá vem você de novo, como um diamante, cujo brilho me é tão necessário, nas águas daquele instante.

Por isso, assim como a rosa, na sua perfeição acabada, não se deixa aprisionar em verso ou em prosa...
Eu te liberto de qualquer adjetivo, que seria vago e impreciso para mencionar o curativo, o bálsamo que você tem sido em minha vida, na solidão das horas doloridas....

Por tudo isso, amigo, por tudo o que foi falado, e pelo que não foi mencionado, apenas Obrigada! Obrigada por você existir e ser meu amigo!

19-04-1988
Originalmente foi dedicada a uma amiga, que na minha hora mais escura me faltou (e o amor já perdoou)... então dediquei ao Senhor Jesus, que nunca me abandonou.  

Ana Ribas



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