quarta-feira, 10 de setembro de 2008


ESCREVO E NÃO ASSINO.

Na juventude, as amigas me pediam para escrever cartas de amor. Eu escrevia as cartas, e elas ficavam com os amores, que, depois da minha carta- dá licença? - as amavam ainda mais.

Como o negócio dava certo, elas voltavam: Mais cartas. E mais amor. E eu sempre na coxia, observando de longe o amor -que era meu em palavras, - materializar-se em vida, para elas.

Depois, como quem vai à costureira encomendar um vestido, passaram-me a encomendar discursos: orador da turma. Eu dava o sangue para escrever o discurso, e o orador, além de não dar nada, ficava com os aplausos. Bem, justiça seja feita, ele enfrentava o microfone, e eu era toda tímida.

Os anos foram passando, e eu sempre escrevinhando. Casei-me e o Ivo admitiu-se em um clube de serviço. E eu, distraidamente, fui, com ele. Aí danou-se de vez: Tornei-me escrevente exclusiva de homenageadas, a serviço de homenageantes. Que repartiam entre si os louvores.

Até o dia em que me pediram para homenagear uma pessoa, cujo texto se me tornou quase impossível de nascer: veio em dores de parto, daquelas bem cruciais, como um filho arrancado a fórceps. Não via na cidadã em questão, nada que merecesse ser alvo de uma homenagem. Mas tinha que fazê-lo, porque convencionara-se ser essa a minha função: escriba a serviço do útil e do fútil. Mais do fútil, do que do útil.

Minha velha Remigton estava no auge. E o cesto de lixo muito em moda; era uma moda necessária. Depois de uma tarde inteira de tentativas, o cesto de lixo abarrotado, esparramando pelo chão, com certa indignação, resolvi que, ao levantar-me daquela cadeira, também me levantaria com o pedido de afastamento definitivo, irrevogável e peremptório. Sem volta. Foi o que fiz até a data de hoje.

Nunca me livrei das mazelas de ter que escrever o que não quero, o que não gosto, o que não estou a fim, o que não me diz respeito. Muito raramente, digo não; quando abusam demais, ou quando não degluto o tema, seja por desconhecimento, ou por discordância.

Tenho em meu computador uma pasta repleta de textos encomendados, desde cartas de amor, de despedida, de assunção de chefia, de remissão de chefia, de protesto, de artigos para jornal, até “defesa de processos” administrativos internos, que nunca me disseram respeito, mas que, acabo assumindo na função de ajudar: -“é só umas poucas linhas,” dizem-me.

Para escrever essas poucas linhas, tenho que me inteirar da história, e como uma história puxa outra, depois vem a réplica, e em seguida, a tréplica.

Da última vez, a interessada foi convocada a comparecer a uma reunião, levando o advogado: que era eu! Tenho essa facilidade de encarar a linguagem que o momento pede. Tenho porque é dom de Deus. E por ser dom de Deus, só não tenho sido advogada do diabo. De resto, quase sempre aceito a função. Essa função estritamente solitária, cansativa e sem nenhum reconhecimento público, nem mesmo do interessado. Quando pegam da minha mão o texto pronto, ninguém imagina a chateação e o trabalho que me deu. Ou não! Tudo depende do tempo, do assunto, do momento, e da disponibilidade. Já me vi escrevendo texto às 23 horas, porque no outro dia, às 8 horas da manhã, o interessado teria uma posse. E não seria por falta de discurso que o amigo não tomaria posse. Escrevi.

No Antigo Testamento, haviam os escribas. Graças a eles, a Bíblia chegou até nós. Escrever é uma função altamente relevante e necessária. Os advogados deveriam saber escrever bem, e alguns não sabem. Perdem-se causas praticamente ganhas, por falta de argumentos e de fundamentação jurídica. Muito mais por falta de argumentos, do que de fundamentação jurídica.

Mas eu não sou advogada. Comecei e desisti. Amassei o tigre de papel que ameaçava a minha gratuidade literária com um só movimento, quando virei as costas para o curso – que pena!- na metade do segundo ano: era muita lei para mim. Fui para o curso de História. Mas não fiquei livre dos papéis e da burocracia. E, por incrível que pareça, já me surpreendi buscando nos meus velhos livros de direito, as palavras que me faltaram na “defesa” das causas alheias.

Escrevo, e não assino, mas sob protesto. Se não houver outro jeito, tudo bem: continuarei escrevendo e não assinando, porque se Deus deu-me o dom de escrever, - dando a mim e não a outros- , não seria para que eu escrevesse por aquele outro- que não recebeu o dom que Ele deu, de graça, para mim?

Na dúvida, e sabendo que Deus é fino, não quero correr o risco de perder a bênção: Escrevo sim!

O meu ofício é escrever: como o tempo escreve na árvore, e não assina o nome, eu escrevo, e faço de conta que não escrevi. Só reclamo um pouco, mas Deus perdoa.

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