quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Comer, rezar, amar - Uma análise da vida





Comer, rezar, amar - Uma análise da vida


Não vi o filme. Li o livro e gostei do script. Logo, pensei que a escritora tem uma imaginação pra lá de fértil e que, por essa, e por outras qualidades, merece receber os direitos autorais que lhe são devidos e mais a paparicação que a fama lhe trouxe.
Vale esclarecer que comprei o livro não acreditando numa linha do que estava sendo descrito pela imprensa como história real. Já se sabe o que penso da personalidade inventiva dos escritores. Mas comprei pensando em admirar o esforço literário para parecer crível, a exposição generosa do perfil escancarado pela moça, a tentativa de montar o cenário mais natural possível para cada uma dessas necessidades humanas.
Comer, rezar e amar são necessidades básicas do ser humano, não necessariamente nessa ordem. Sem comer ninguém se mantém em pé por muito tempo, sem rezar ninguém morre, - porque na hora trágica até o ateu reza- e sem amar ninguém vive, no máximo vegeta.
Logo comer, rezar e amar são acidentes geográficos que acontecem a todo mundo, todos os dias, em qualquer lugar da terra.
Comer. Para comer, a escritora saiu de EUA e se deslocou para a Itália. Viajou para o país errado. Se em EUA come-se mal, na Itália também não se come bem.
Não sei porque a Itália tem fama de ser o país onde melhor se come. Ledo engano. Come-se mal pra xuxu.
Detalhe bobo: sem xuxu. Sem farofa. Sem churrasco. Sem arroz e sem feijão. Sem as generosas porções que os nossos restaurantes servem no Brasil.
Na Itália, toda massa é al dente. Bom pra quem tem dente. Mas para o brasileiro comum, para a média da população brasileira acostumada a uma ponte fixa, a uma dentadura básica com e sem Corega, a massa ideal é a de consistência cremosa, que não ofereça resistência.
Na Itália, serve-se uma massa quase crua! E dá-lhe azeite para ajudar a descer.
A pitzza italiana tem bordas queimadas, e nenhum aditivo que suavize a secura, a não ser uma minguada porção de queijo no centro. O resto é farinha.
Nem pense em pedir katchup. O italiano considera uma heresia a misturança que fazemos com o que eles chamam de pitzza napolitana.
Essas são as lembranças que eu guardo da culinária italiana. Posso lhes garantir que em Roma não se come bem, mesmo pagando o mesmo que La Gilbert pagou, e mesmo comendo o que La Gilbert comeu.
Um conselho: Coma no Bixiga mesmo. Depois de comer nas cantinas italianas do Bixiga você ainda pode matricular-se num curso de italiano e falar razoavelmente bem o idioma que ela classificou como divino. (Coisa de gringo.) Tudo sem sair do Brasil. Essa primeira parte tá resolvida a preços módicos. E se você precisar de um livro que conte a história do Bixiga, - com i- posso lhe indicar um.
Para rezar. Para rezar, ela começou rezando no banheiro e foi parar num ashram na Índia.
Segundo o Google, ashram é um monastério para pessoas que querem desligar-se do mundo e estar a sós com Deus. E foi ai que o livro começou a me intrigar. Porque eu também fiquei morrendo de vontade de ir para um ashram onde pudesse ter -com Deus - a experiência que ela descreveu.
Esse é o tipo de programa que me atrai. La Gilbert poderia comer todos os antepastos e pastos da Itália que não me chamaria atenção. Poderia também comer, beijar e amar todos os belíssimo italianos que ela descreve ( são lindos mesmo!!!) que não me despertaria nenhum tipo de luxúria incipiente. Mas experimentar um vivo contacto com o Deus Vivo, não é algo que eu possa ler com desdém, ou duvidar de primeira, ou ignorar e fazer de conta que não entendi.
Em relação às coisas de Deus eu tenho um lema: faz parte da minha vida acreditar. Portanto, eu acredito primeiro, e vejo o que acontece depois, segundo a minha crença. Achei muito crível a maneira como as coisas aconteceram entre ela e Deus. Eu sei que é assim que funciona. E sei também que é assim que não funciona. Deus não cabe em parâmetros humanos , mas de vez em quando, cabe. Por isso, na dúvida, ofereço o benefício da crença. Ponto.
Fiquei com uma baita inveja do tempo que ela passou lavando o chão do monastério. Eu creio nisso. Creio que lavar o chão de um monastério é uma forma de lavar a alma. É um ato profético de grande simbolismo espiritual. Também creio muitíssimo no poder do silêncio. Aprender a calar é condição imprescindível para Deus falar. O resto é criança brincando na hora do recreio.
O mundo está repleto de religiões cristãs que oferecem a hora do recreio com torcida organizada. De vez em quando importam um mágico para melhorar a recreação.
Eu quero experimentar a hora do exame. A hora do auto-exame. Mente apaziguada com o silêncio de fora, esperando tranquilamente pela voz de dentro. Isso existe, não tenho como duvidar.
E foi ai que o livro começou a ganhar contornos de realidade, para mim. Como não posso ir para a Índia, talvez devesse começar pelo chão do banheiro. Ou do quarto. To pensando por onde começar.
Amar. Depois da Itália e da Índia, La Gilbert foi para a Indonésia, ainda pensando em evolução espiritual. Caprichosa, a moça! Na Indonésia, além de rezar, foi surpreendida por Deus com um presente do céu e só então, como resultado da busca diligente, veio a boa hora de amar.
Isso também faz sentido: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas as demais coisas lhe serão acrescentadas.” Ou seja: quando se busca em primeiro lugar as coisas de Deus, o resto vem por acréscimo, como um presente.
Na Indonésia, La Gilbert encontra o brasileiro Felipe, que além de brasileiro, tem cara de gente fina. Tem cara de filho da dona Terezinha que mora na esquina. Tem cara de professor de filosofia. Tem cara de quem gosta de criança. Tem cara de quem acredita em Deus. Tem cara de quem ama cachorro. Mesmo careca. Mesmo mais velho. Mesmo usando óculos de grau. Mesmo divorciado. Mesmo morando na Indonésia. Felipe ou José Lauro Nunes, para os íntimos, é daqueles raros homens que dá pra confiar de primeira, de segunda e de terceira, até completar a volta ao mundo, sem marcha a ré. E o melhor: parece ser de carne e osso. Imagine isso tudo perdido na Indonésia, falando português?!
- Que sortuda! É o primeiro pensamento.
O segundo é: - Deus está nesse negócio porque "toda boa dádiva e todo dom perfeito desce do alto, do Pai das luzes, em quem não há sombra e nem mudança de variação.”
Tá bom. E agora? O que eu faço agora com uma história dessas que parece ter saído de um conto de fadas?
Eu penso. Penso nela como pensam os bobos. Penso nela como pensam os crédulos. Penso nela como pensam os que têm fé. Essa é a parte bonita. Terminei o livro e ainda penso nele. No livro. Na história do livro. Na mensagem que ele encerra.
A parte feia é: -penso com certa perplexidade mórbida. Afinal, tinha tudo para dar errado. E como deu certo, mamma mia?
Eu não sei. O que sei é que não é todo dia que se abandona um marido dormindo na cama para ir rezar no banheiro. Ou num ashram na Índia. E Deus ouve!
Não é todo dia que se pede despensa do trabalho para comer macarronada na Itália. Ou para fazer um curso de italiano porque essa é a língua mais melodiosa do mundo. E Deus aprova!
Não é todo dia que se abandona o mundo conhecido do país em que nascemos para enfrentar o desconhecido, em outro país. Em outro estado. Em outra cidade. E Deus vai junto!
Não é todo dia que se tem a coragem de sair por ai com uma mochila nas costas para conhecer outras culturas. E Deus abençoa!
Não é todo dia que se pega carona com desconhecidos, em três países diferentes, e dá sorte de encontrar gente normal. Nenhum tarado, nenhum assassino, nenhum doido. E Deus protege!
Não é todo dia que se viaja para outro continente afim de fazer um balanço da própria vida. Normalmente, a gente faz isso em casa mesmo. Na segurança do lar. Ao lado do homem que reparte a cama conosco. No colo da mãe. No peito do pai. Afagando o cachorro. Sendo afagada por ele. Ouvindo Roberto Carlos. Comendo miojo na panela. Tomando chá de canela na cozinha. Rezando antes de dormir sem poder especificar direito o que se quer. Amando os amores possíveis. Sonhando com os sonhos impossíveis. Sentindo culpa. Morrendo de medo. Pedindo perdão. Tentando ser melhor.
Não é todo dia que a gente encontra uma mulher tão corajosa como La Gilbert. As heroínas mais comuns comem, rezam, e amam do jeito que dá, e em troca, a vida lhes concede a ração acostumada de cada dia, o amor sem convicção, um pai nosso e uma Ave Maria. E tá tudo combinado nas estrelas.
Elizabeth Gilbert pode ter montado um teatro de ficção com o seu "Comer, Rezar, Amar," mas foi uma montagem perfeitamente crível. Uma narrativa incrivelmente bela. Dessas que de tão bem feitas, até duvidando a gente acredita. E morre de inveja.

Um comentário:

Nahla Ibrahim Barbosa disse...

Amei sua crítica. Parabéns!