sábado, 17 de dezembro de 2011







Basta a cada dia o seu próprio mal, mas não há ser humano que se contente com tão pouco. Nós juntamos o mal de ontem, com o mal de hoje, e o mal de amanhã, e o dia vira uma maldade só, pairando absoluta sobre as nossas cabeças, não em forma de nuvenzinha negra, mas em forma de céu de chumbo. Não é assim que deve ser.


Aceitar que cada dia tem o seu mal, nos faz pensar que a soma dos dias é a soma do mal e essa não é a lição didática que a Bíblia ensina.


Basta a cada dia o seu próprio mal, tem a ver com o fato de que o mal de ontem, deve ficar no ontem, para que possamos lutar contra o mal de hoje. O mal de amanhã pode não se concretizar porque, afinal, quem sabe a soma dos seus dias? Não temos certeza se amanhã viveremos, então para quê nos preocuparmos com um mal cujo dia pode não amanhecer?


O problema do mal encontra atuação dentro de cada dia. Cada dia tem o mal que lhe corresponde, e o mal de ontem corresponde ao dia de ontem. O mal de ontem, pertence ao ontem. O que existe de mal no dia de hoje, é para ser enfrentado hoje. Se o mal se estender até amanhã, não será mais o mal de hoje, será o mal de amanhã.
Dia sem mal é o dia da morte, se o óbito ocorrer à zero hora e hum minuto. Se passar disso, já é um dia com o seu próprio mal. A nossa vingança é que haverá um dia em que o mal não poderá nos tocar.


O mal de hoje, se não for outro, é, pelo menos, esse: depois de uma noite de sono, tocar a dura terra com os pés bem fixos no chão.


Basta a cada dia o seu próprio mal, e se não for outro, pode ser cumprir a rotina estafante de um trabalho que te desagrada. Se não for outro, pode ser o metrô que entrou em greve. Se não for outro, pode ser o motoqueiro que ultrapassou o carro e levantou o indicador em riste, (e você nem soube porquê). Se não for outro, pode ser o elevador que te deixou na mão na hora de ir para o trabalho. Se não for outro, pode ser a rinite que não te deu folga durante o tempo todo. Se não for outro, pode ser o fora que o namorado te deu. Se não for outro, pode ser a empregada que não apareceu para trabalhar. Se não for outro, pode ser o chefe que voltou de férias. Se não for outro, pode ser o TCC que não foi aprovado. Se não for outro, pode ser a ex mulher perguntando cadê a pensão das crianças. Se não for outro, pode ser o oficial de justiça batendo na porta para te prender. Se não for outro, pode ser uma infinidade de males que acompanham o seu dia, a cada dia, apenas para te fazer lembrado de que aqui não é o céu. É um jeito muito eficiente de desencorajar o cidadão do céu a estabelecer uma morada definitiva, aqui na terra.


Basta a cada dia o seu próprio mal. O mal de hoje, para mim, foi um tanto quanto leve, porque também tem essa: a vida nos ensina a conter o mal, conspirando contra a importância que ele se arroga e diminuindo o seu poder. A vida nos ensina a pegar o mal pelo colarinho e jogá-lo pela janela. A mandar o mal pra ponta da praia negra, de patinetes, num sol africano de 40 graus.


Acordei às 5 da manhã e tomei o meu café, às 5.30. Esse foi o primeiro mal: acordar às 5 da manhã. Mas foi um mal menor, se comparado ao mal maior que me fora infligido: eu deveria estar na clínica as 8,30, em jejum, para realizar uma série de exames de rotina. Como conheço o meu metabolismo, já sei que um jejum de três horas é mais que suficiente para fazer desaparecer do estômago qualquer vestígio de comida. Então, acordei às 5 para tomar o meu café e não fiquei com fome a manhã inteira como o mal queria. - Você está em jejum? – Estou em jejum. E estava em jejum de 3 horas e meia, mas ele não precisava saber disso.


O segundo mal foi que me esqueci de levar a requisição médica para a autorização do exame, o que obrigou-me a voltar à tarde, mas não foi um mal tão grande porque o médico atendeu-me pela manhã sem a requisição, e os exames estavam ótimos, graças ao meu bom Deus.


O terceiro mal foi que recebi um e-mail com a mesma conversa de sempre, acenando com uma projeção literária, mas foi um mal menor se comparado ao que recebi tempos atrás dizendo que a China compraria todos os meus livros e que eu precisava urgente contratar um tradutor.


O quarto mal foi que o vidraceiro marcou comigo para medir os vidros da minha futura casa, e não veio. Mas foi um mal menor, porque o pedreiro que me acompanharia, teve dor de barriga e também deixou de vir.


O quinto mal foi que o meu gato vomitou uma bola de pelo, mas poderia ter sido um mal maior se ele tivesse retido essa porcaria no estômago.


O sexto mal, ainda não sei: são apenas 19 horas e 45 minutos.


É dessa qualidade de mal que a Bíblia está falando. Você acha que vale a pena levar qualquer uma dessas


bobagens na bagagem de um novo dia? Não faça isso! A cada dia basta o seu próprio mal.


Viver é uma convivência inteligente com o mal. Viver é não subestimar o poder do mal. Viver é aprender que contra o mal, só vale a astúcia. Viver é não se antecipar ao mal, mas é chegar junto com ele. Viver é oferecer ao mal a resistência que lhe é devida. Viver é cavar trincheiras para o mal não aumentar território. Viver é ser titular das próprias defesas. Viver é, finalmente, reconhecer que o mal se combate com luta, mas a guerra por aqui nunca termina.


Acho que estou aprendendo.

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