terça-feira, 27 de julho de 2010

A Argentina coloriu.

Cristina Kirchner fez a Argentina sair na frente ao aprovar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil de Lula ou de Dilma, deve ocorrer em breve. Só quero ver quando e como vai acontecer na Bolívia de Evo Morales e na Venezuela de Hugo Chavéz. Afinal o bloco de países sul americanos sempre caminha no mesmo compasso. Até parece que o ritmo da carruagem é determinado por um só cocheiro. Mas enquanto isso não acontece vamos conjecturar sobre o tema polêmico.
Em primeiro lugar, eu fico pensando que nenhum legislador deveria ser burro a ponto de fazer uma lei que fosse desnecessária. As leis são feitas para atender uma demanda legal e são cumpridas não apenas por força coercitiva mas pela eficácia dos seus objetivos. Ora, quando um estado decide aprovar a lei que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o faz porque existem pessoas do mesmo sexo que querem casar-se entre si. Caso contrário, não seria necessária a criação da lei. Impedir que tal fato se legalize, como tentaram fazer os religiosos da Argentina, é querer tapar o sol com a peneira. Não se pode ter uma visão tão pequena a respeito de qualquer assunto apenas porque esse assunto contraria a nossa concepção de mundo.
Penso que essa lei tem a tendência de ser aprovada em todos os países porque afinal de contas, no mundo todo existem pessoas que decidiram optar sexualmente por pessoas do mesmo sexo. É um direito que lhes assiste. O estado não pode fazer ingerências sobre a sexualidade dos seus cidadãos e tem por obrigação zelar pelo cumprimento da lei máxima constitucional que determina que todas as pessoas são iguais perante a lei. Ora, entre essas pessoas, existem aquelas que são homossexuais. É dever do estado zelar pelos direitos desses também.
Essa lei, pois, já chega tarde. E chega para corrigir uma injustiça que tem sido cometida com todos aqueles que decidiram fazer uma opção sexual diferente da maioria. Não nos cabe aplicar aqui nenhum julgamento moral. O que acontece é que algumas pessoas aplicam um julgamento moral em situações nas quais só compete um direito constitucional. Toda a questão se resume nisso. O que os governantes devem fazer é tão somente reconhecer que todas as pessoas são iguais perante a lei e isso inclui o direito de casar, o direito de compartilhar, o direito de adotar, o direito de dividir um patrimônio, o direito de herança e o direito de ter assegurado esses direitos a despeito da opção sexual. Cabe ao Estado agilizar esse estado de direito e acabar logo com essa onipotência medieval que fere a lei como um todo. Chega a ser hilário que as pessoas queiram impedir que aconteça, de fato e de direito, o que já existe na prática desde que o mundo é mundo. O direito e a religião caminham em avenidas paralelas e estanques. Não dá para aplicar o mesmo ponto de vista em situações nas quais cabe apenas um cumprimento legal.
Em 1965, no Brasil de Castelo Branco, foi sancionada uma lei, em torno do Código Florestal, a qual determinava que todos os pequenos proprietários estavam obrigados a preservar um percentual de suas propriedades, mantendo uma reserva florestal. Como era de se esperar, os pequenos proprietários, que dispunham de poucos hectares, nunca cumpriram essa lei a ponto de se dizer que essa legislação tornou todos os brasileiros que comem arroz cúmplices de um crime ambiental, já que quase toda a produção desse grão foi semeada em reserva legal.
O que eu quero dizer com isso? Que a lei sancionada no Brasil em 1965, era uma lei que não feria nenhum princípio religioso, mas feria a necessidade básica de comer que todo brasileiro tem. Fica muito bonitinho manter uma reserva legal em todas as propriedades, desde que a nossa barriga esteja cheia de comida e não tenhamos fome. O pequeno proprietário viu que isso era impossível, foi lá, burlou a lei e plantou arroz. O brasileiro comeu, encheu o bucho, agradeceu e esqueceu. As autoridades assinaram a lei e deixaram para lá a fiscalização do seu cumprimento. E ficou tudo certo.
Aqui está o exemplo de uma lei que foi feita para ser esquecida. Do ponto de vista moral era corretíssima. Do ponto de vista material era escandalosa. Por isso não foi cumprida.
Na Argentina de Cristina Kirchner, uma lei foi aprovada pelo Congresso. Ela fere princípios religiosos, contraria dogmas estabelecidos, faz o povo da santa inquisição revirar na sepultura, mas atende ás necessidades que determinadas pessoas têm. Ocorre que, por este tempo, existem homossexuais na República Argentina. Se algum dia não houver, a lei cairá em desuso. Mas enquanto houver, ela se faz necessária.
É simples assim: as leis são feitas para atender demandas e são cumpridas quando o legislador entende que o espírito da lei repara uma lacuna e preenche um espaço legal. É o tempo que confere credibilidade a uma lei. O tempo, pois, dirá. Se houver homossexuais na república brasileira, essa mesma lei será sancionada aqui e durará enquanto houver necessidade. Se houver homossexuais na república venezuelana, essa lei será sancionada lá e permanecerá até que a sua prática se torne obsoleta.
Desculpem, mas não posso deixar de confessar: eu quero muito ver Hugo Chavéz diante das câmeras de TV, assinando essa lei. Nem me perguntem por quê.

Nenhum comentário: