terça-feira, 7 de abril de 2009

O Fantástico Mundo Virtual

As histórias de crianças, e de contos de fadas, começam sempre com “era uma vez." Fico revirando em minhas mãos a expressão “era uma vez.” Noto que o verbo “ser” está no passado, para não causar falsas expectativas. A expressão “uma vez” também modifica a palavra “era” o que por si só já quer dizer: “era” mas não é mais, foi só aquela vez.

Com isso estamos passando a seguinte mensagem: não me pergunte onde está a Branca de Neve. Branca de Neve “já era” e “já era” só “uma vez.” Não haverá duas vezes. Não haverá reprise. Por isso, os personagens das grandes histórias infantis são imortais, só existiram uma vez: pelo fantástico que acompanha o seu caráter de excepcionalidade.

Mas nós existimos muitas vezes. O ser humano comum encontra-se em todos os lugares, em todas as eras, no presente, no passado e no futuro. O mundo está repleto de Joãozinho e Maria, não aqueles da fábula infantil, mas aqueles da construção civil, da lanchonete, da panificadora, do cabeleireiro, da fábrica de calçados. Cada Maria e cada João são únicos para uma pequena parcela da humanidade: para os pais, para os avôs, para os irmãos, para os amigos, para aqueles que fazem parte do seu pequeno universo, para aqueles que os conhecem como uma entidade personificada. Para esses não há outro igual àquele, mas para o mundo, são anônimos.

E hoje quero falar de anonimato e do bem que ele nos faz. O anonimato nos permite um mínimo de individualidade necessária para que um homem possa usar um palito de dentes sem ser fotografado, para que uma mulher possa sair com a meia desfiada de um restaurante, sem ser notícia nos jornais. O anonimato nos permite um mínimo de individualidade necessária para que um ser seja ele mesmo.

Mas o anonimato que nos preserva a individualidade, traz consigo o distanciamento. As pessoas vivem um paradoxo: querem conservar a individualidade, mas também anseiam por uma construção coletiva que as faça um personagem como aqueles das histórias infantis. De preferência os bons personagens, aqueles que inspirem bons sentimentos. Por um lado, queremos que o mundo contorne a nossa forma, por outro lado, não queremos expor o nosso recheio. Por um lado, queremos ser anônimos, por outro lado, queremos ser conhecidos. Por um lado, queremos ser únicos, por outro lado, queremos pertencer. Por um lado, queremos a realidade interna, por outro lado, precisamos da vida mais ampla que comporta o mundo.

E aí, no meio desse conflito existencial permanente entre ser e pertencer, aparece a WEB, a era virtual com todas as suas potencialidades mágicas que permite ao homem conservar a sua individualidade e criar novas extensões dentro de um fantástico mundo de faz de conta. A internet parece ter sido pensada sob medida para atender ao ser e ao pertencer. Porque o mundo de fantasia que ela proporciona é uma via de mão dupla que não invalida o anonimato. Durante o dia, Joãozinho é aquele trabalhador da construção civil que sobe a massa no andaime e vê o mundo das alturas. Naquele momento, Joãozinho é. Naquele momento, Joãozinho existe em toda a sua individualidade que sonha, sem poder estar em seus sonhos. Mas à noite, na casa modesta, diante da rede internacional de computadores, Joãozinho está. Por algumas horas, ele deixa de ser para estar. A simples visão do mundo, durante o dia, proporcionou-lhe o “insigth” para o personagem da noite. Joãozinho interage com a entidade do outro lado da tela, como um piloto de Boing e a única diferença entre ele e o comandante é que não há na mão o manche do avião, mas o mouse do computador que lhe permite a viagem.

A internet está repleta de pessoas solitárias e mal resolvidas, porque em certa medida, mal resolvidos todos somos. A internet com suas salas de bate-papo e clubes de relacionamento tornou-se o mundo imaginário que atende todos os tipos de fantasias. Homens gordos, carecas e barrigudos, batendo na casa do meio século, transformam-se como num passe de mágica, em jovens galãs de cinema, à procura da sua cara metade. Do outro lado da telinha, a cara metade encalhada e sem glamour torna-se uma disputada donzela. Se na juventude o cidadão teve simpatia por algum movimento socialista, sem nunca ter tido coragem para enfrentar a ditadura militar, na internet ele “vira” rapidamente um ativista em prol dos direitos humanos. Se na vida real falta dinheiro para o lanche, na internet sobra dinheiro para o banquete. Se no dia a dia ele vai para o trabalho usando o transporte coletivo, na internet ele se vinga sendo o dono do transporte coletivo. Se na vida diária ele conserta carros, na internet ele é o dono de uma frota de carros.

O curioso é que não falta fé para esses personagens. Assim como não faltam adeptos para um guru, ou clientela para um charlatão, também não falta gente disposta a acreditar nos personagens imaginários que existem no mundo virtual. Verdade seja dita: aquele que engana é feito sob medida para o enganado. As relações virtuais são um serviço de utilidade pública não institucionalizada, onde cada louco encontra o seu “ terapeuta” sem enfrentar a fila do SUS ou o divã do analista.

Há histórias e mais histórias que mesclam o mundo real ao virtual e acabam bem. Algumas nos divertem muitíssimo. Vou contar uma delas: Lia, minha amiga, estava se relacionando há um bom tempo, pela internet com um cidadão de Portugal. Numa dessas noites intermináveis diante do pc, estava presente uma amiga mais esperta, mais centrada, mais lúcida, com aquele olhar de quem enxerga por fora. Essa amiga observando o cidadão pela cam, advertiu: “ Lia esse cara é gay!” Mas imagine se uma mulher apaixonada ia querer escutar que o seu príncipe encantado das "europas" era gay. A proposta foi imediatamente rechaçada sob forte protesto. Passaram-se os dias. Uma noite, tempos depois, essa mesma amiga estava presente e Lia precisou ir ao banheiro. Uma vontade imperiosa de ir ao banheiro a fez pedir para a amiga: “tecla aqui no meu lugar.” A amiga foi logo escrevendo: “tu é gay que eu sei.” E do lado de lá, o cidadão português retrucou: “faz tempo que queria contar-te mas não tinha coragem.” Pode rir, a piada é boa e é real. Aconteceu mesmo.

Final da história: Lia hoje é camareira em Portugal, e trabalha para um casal de gays portugueses dos quais um deles é o cidadão em questão. Lia perdeu o amor e ganhou um amigo e um patrão. Ganha muito bem e namora um português muito macho. Nunca mais voltou para o Brasil. E se voltar será muito bem acompanhada. Mas aonde Lia encontrou o seu amor? Na vida real.

Nem sempre as histórias virtuais têm esse final feliz. Até porque, se pensarmos bem, não há como ter final, se na realidade nunca houve um começo: as histórias virtuais, quase sempre, ficam pelo meio, elas não se resolvem, elas giram em torno do imaginário de cada um. A internet é a versão moderna do “era uma vez.” A internet é a novela que a Globo não ofereceu. A internet é a produção independente onde cada pessoa escolhe o papel que quer desempenhar.

No verbalismo puro e simples, sempre existiu e sempre existirá a necessidade de aproximar os seres humanos oferecendo-lhes a nossa versão de vida. No verbalismo sempre existirá a necessidade de colocar forma no caos mesmo que seja através da mentira criativa. No verbalismo sempre haverá a tendência para “enfeitar o pavão”. Nesse sentido a internet é mágica e cumpre à perfeição o seu papel de re-inventariar os sonhos. Apesar de todos os pesadelos.

3 comentários:

D Z disse...

Oi Ana,

Acho que já faz um tempinho que não leio vc... quer dizer, nem tanto tempo assim, um dia desses encontrei um texto seu no jornal da cidade... Sabe, fiquei feliz por ler vc novamente (lá e aqui), pq vc sabe q sou sua fã...

Este texto me faz pensar no quanto somos complicados e me faz lembrar de quando conheci este "fantástico mundo virtual" e de como caí de cabeça, permanecendo cada segundo livre do meu tempo na frente do pc... Hoje, tudo isso já perdeu muito da graça q tinha antes e muitas coisas que procurava antes, já não me interessam mais...

É complicado, as pessoas buscam na net o que não encontram na vida... buscam na vida o que não encontram na net... e todos anseiam encontrar aquilo que lhes falta e, provavelmente, isto não esteja nem lá, nem cá...

Ana, como sempre, um texto fantástico!

Tenha um ótimo final de semana!

Fique com Deus!

Bjssssssssss

Dany

Uma aprendiz disse...

Oi, Ana

Que saudades. Faço minhas as palavras da Dany. Não te leio faz um tempão. E pode dizer pra ela que sou sua fã de carteirinha kkkkkk

Esse texto fala com todos nós. Buscamos sim um mundo imaginário, nossa "cara metade", amizades, enfim coisas que achamos que não temos no real.
O bom é que esse sonho, tal qual nas histórias infantis, tem um final. Nem sempre feliz.
Um dia acaba a graça e passamos a buscar a realidade.

Um grande beijo,, de sua amiga paulista

Valdemir Reis disse...

Olá Ana que maravilhoso é visitar este espaço! Parabéns pelo excelente trabalho desenvolvido. Excelente sua publicação “O fantástico...“, ótimo texto, interessante e muito legal. Feliz e honrado por sua amizade. Quero avisar que tem um “PRÊMIO” esperando por você lá no Blog, não demore! Aguardo por sua visita. Sinta-se em casa. Acredito aquele que caminha sozinho pode até chegar mais rápido... Porém quem segue acompanhado de um amigo com certeza vai mais longe... Espero sua visita! Encontrar-nos-emos sempre por aqui. Votos de um feliz fim de semana, muita paz, saúde, brilho, bênçãos, proteção e alegria. Fique com Deus. Um abraço fraterno.
Valdemir Reis